Bacurau | Crítica

Análise sobre o filme “Bacurau”, da Vitrine filmes (convidados pela mesma), aqui no site Cebola Verde.

Confira a ficha técnica da trama cinematográfica:

Nome: Bacurau

Estreia: 29 de agosto de 2019 (Brasil) – 2h 12min

Direção: Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles

Elenco: Barbara Colen, Sônia Braga, Uko Kier, Thomas Aquino, Silvero Pereira, Thardelly Lima, Wilson Rabelo, Carlos Francisco

Distribuidora: Vitrine Filmes


Vencedor do prêmio do júri em Cannes, “Bacurau” é o filme nacional que mais está dando o que falar nos últimos tempos, e eu consigo ver o porquê. Chegando  aos cinemas no dia 29 de agosto, ele vai agradar você, fã da sétima arte, e também o público mais casual, visto que essa foi sem dúvida uma grande sacada dos diretores Kleber Mendonça Filho (Aquarius, O Som ao Redor) e Juliano Dornelles (Mens Sana in Corpore Sano). Eles se utilizam de diferentes referências não-estranhas ao público para contar essa história única. Mesmo chamado de um faroeste futurista, tentar encaixar um gênero nesse filme talvez seja a missão mais difícil desse texto. O filme se apropria das mais várias referências, algumas delas até improváveis demais para supor antes de ver o filme. “Os Pássaros de Hitchcock“, “Django Livre” de Tarantino, “Mad Max“, “Star Wars“, “Westworld“, “Contatos Imediatos de Terceiro Grau” são só algumas das obras que me vieram à cabeça enquanto assistia esse filme.

O filme se passa em um futuro próximo, em uma pequena cidade fictícia no sertão brasileiro a oeste de Pernambuco, chamada Bacurau. Pouco após a morte de dona Carmelita, aos 94 anos, eventos estranhos tomam conta da cidade, como seu sumiço dos mapas, uma manada de cavalos invadindo as ruas, discos voadores passeiam ao redor da cidade, carros se tornam vítimas de tiros e corpos começam a aparecer junto aos turistas, cujas intenções são suspeitas. A comunidade percebe que está sendo atacada.

Confesso que não tinha assistido trailer algum antes do filme ou lido qualquer coisa sobre, queria ser totalmente surpreendido no filme, e de fato valeu a pena. Por um ato e meio, eu não sabia o que estava assistindo ainda. O filme parece ir tateando por diversos caminhos e gêneros, deixando o espectador confuso sobre o próximo passo dessa trama. Isso tinha tudo para tornar o filme uma bagunça, mas curiosamente isso não acontece. Há um trabalho fenomenal, principalmente no terceiro ato, de reunir cada um desses elementos e não se preocupa em explicá-los de forma expositiva.

Mas eu diria que o grande pecado do filme é o segundo ato, que entrega um grande tempo de tela para os vilões. Mesmo tentando dar personalidade, explorar a moralidade de cada um, eles ainda parecem caricaturas rasas. Esse tempo de tela poderia ser dedicado aos personagens da cidade, que a cada vez que interagem, nos deixam com ainda mais vontade de explorar o passado daquelas relações e dinâmicas; algumas dessas que a trama abandona para conseguir avançar. Várias dessas decisões são bastante compreensíveis quando enxergamos a totalidade do filme: Como os personagens não serem o foco da história, por mais interessante que sejam. O filme nem sequer tem um protagonista, o protagonismo está na cidade como um todo e nos discursos que o filme passa ao espectador, e o filme está recheado deles! Teresa, a primeira vista parece ser essa protagonista, mas logo vemos que o papel dela é de nos guiar pela trama, e também de representar a filha dessa terra que volta em luto e tenta ajudar como pode. Essa imagem é poderosíssima, por hora o filme transborda imagens e alegorias assim.

Assistindo ao trailer depois, percebi que o próprio trailer brinca com nossas expectativas acerca do gênero dessa trama. O primeiro trailer é incrível, porém, confesso que fiquei frustrado, pois o caminho que ele sugere é algo que eu realmente queria ver no cinema nacional. Entretanto, isso não tira nenhum mérito de como o filme em si lida com essas imagens que ele mesmo apresenta.

Falar sobre os aspectos técnicos do filme é fácil: Simplesmente estonteante! A primeira sequência abre perfeitamente o filme, o espaço, os caixões na estrada, as músicas – e como o filme sabe utilizar muito bem as músicas. A montagem parece confusa de início, todavia o filme justifica cada decisão que possa parecer estranha a primeira vista. Tudo nesse filme é um show, mas alguns pontos merecem uma atenção em especial… Primeiramente, a atuação incrível da Sônia Braga. O elenco inteiro está muito bem, mas vê-la em cena é inacreditável, uma atuação quase não humana. E o outro ponto positivo é a maquiagem, toda violência quase ‘tarantinesca’ desse filme não se sustentariam sem esse incrível trabalho.

Importante notar como o filme parece mesmo um filho de dois pais, na trama, na estética e até no idioma. Boa parte do filme é falada em inglês e lembra mesmo alguns filmes hollywoodianos de qualidade duvidosa. O segundo ato abandona esse ritmo dramático do nordeste típico de vários filmes brasileiros e adota um estilo bastante americano. Com um ritmo completamente diferente, com mais ação, as atuações passam a ser mais caricatas e até o estilo de humor muda – vale ressaltar que o filme é muito bem humorado. Contanto, é realmente interessante como o filme se utiliza disso para discutir a própria cultura americana, e nos remetem ao mesmo tempo, as explorações que ocorrem principalmente ao norte do nosso país.

Há tantas críticas políticas e sociais aqui, sendo que mesmo assim o filme não depende só delas para se sustentar; e não vou comentar todas para guardar as surpresas. Entretanto, vai do descaso na educação, o abandono do povo por parte da política, até questões raciais. O filme transita muito bem em seus discursos, como transita entre os gêneros. A apresentação de Bacurau é feita sem pressa, e ainda bem, porque o terceiro ato necessita de todo esse tempo de diálogos e rotina para sustentar o ritmo frenético do final.

No final das contas, o filme é uma grande fábula social, sobre pessoas que somem do mapa e se tornam vulneráveis, sobre a ganância do sistema, sobre uma matriarca que espalhou seus filhos pelo mundo e sobre os filhos de uma terra que fazem de tudo para salvá-la. Talvez esse realismo social impeça os gringos de se conectarem a trama como um brasileiro; o que, para mim, pode ser um problema na corrida para o Oscar.

Bacurau” prova mais uma vez que Nacional não é gênero de filme. E que prestigiar o cinema nacional não é só sobre movimentar a indústria, e sim sobre assistir filmes únicos. Inclusive sua última alfinetada aparece nos créditos, dizendo que esse filme gerou mais de 800 empregos, mas além disso, é uma grande contribuição para cultura nacional.