Um banquete digno de um rei

Conto por Graham McNeill

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Um ser gigantesco marchava pela espessa camada de neve do cânion, seguindo com passos firmes e determinados que desafiavam a nevasca. Sua passagem deixou uma fenda para trás, seus pés pesados e cheios de garras iam rasgando o xisto solto sob a neve. Os ventos uivantes faziam sua capa de retalhos de couro tremular, e o ser a pressionou contra seu corpo.

Trundle era enorme, mesmo entre os trolls. Seus músculos eram como rochas por baixo de uma pele azul e grossa com a textura de couro curtido sob o sol do deserto. Não que Trundle já tivesse visto um deserto, mas ele sabia o que era.

A Bruxa Gélida contou sobre um lugar, para além das montanhas do sul, onde o sol ardia e queimava a pele, e a neve de lá era composta por pedacinhos de pedra áspera que entravam em suas partes e não derretiam.

Parecia meio exagerado para Trundle, e como assim uma neve que não derretia?

Carregava um saco de couro por cima de seu ombro enorme, o qual estava cheio de carcaças de elnüks, drüvasks, javalis selvagens e cabras da montanha. Mais dias do que podia contar nos dedos se passaram desde que ele saíra de sua caverna. A carne começara a soltar um delicioso fedor de maturação e o sangue acumulado lá dentro congelou até ficar duro e preto.

Altos penhascos de gelo se elevavam ao seu redor, azuis como uma onda oceânica que congelara no lugar. Talvez fosse isso; Trundle não sabia. A Bruxa Gélida contou sobre um tempo muito antigo quando a magia fez todo tipo de coisas loucas ao mundo, então talvez ele estivesse andando por um oceano turbulento no topo do mundo. Ele gostou da ideia e se perguntou se veria algum esqueleto de monstros marinhos tão ao norte.

Monstros marinhos no gelo, essa seria uma boa história para contar quando voltasse. Não importava se não era verdade. A maioria dos trolls tinha a cabeça-oca e acreditaria em praticamente qualquer coisa que contasse.

Ele parou de pensar com tanta força naquele momento.

Teria que guardar seus melhores pensamentos para depois.

Esse território não era dele, tinha mais formas de morrer por aqui do que podia contar, e isso porque ele sabia contar até números muito mais altos do que qualquer outro troll que conhecia.

Ele podia cair em uma fenda, ser engolido por um dragão de gelo, ou ser cozido na panela de um dos clãs de trolls selvagens que viviam por estas partes. Eles eram maiores que a maioria dos outros trolls, não tinham o bom senso de saber que precisavam de um rei para mandar nas coisas e se importavam mais com o peido de um elnük do que com títulos.

Arrancariam seus braços e pernas para servir de lanche se ele tentasse parecer pomposo.

Isso tornou a necessidade dessa jornada ainda mais estranha, pois ouviu contos sobre um troll gigante chamado Yettu que andava por aí falando aos outros clãs de trolls que ele era o rei dos trolls. Trundle precisou bater algumas cabeças quando certos trolls metidos ouviram essas histórias e começaram a falar bobeiras em voz alta. “Se qualquer um pode se chamar de rei, por que temos que dar a maior parte da comida para Trundle e fazer o que ele manda?”

É, algo tinha que ser feito a respeito do tal Yettu antes que as coisas saíssem do controle.

Ele ter pensado em virar um rei como Grubgrack e os outros lordes trolls de antigamente não significava que qualquer um podia pensar o mesmo!

Os cabelos grossos na parte de trás do pescoço de Trundle se arrepiaram, como se estivesse sendo observado.

Ele ainda não viu ninguém, mas sentia o fedor dos corpos imundos escondidos sob a neve logo adiante. Um troll que se dizia rei não seria capaz de manter o título por muito tempo se não soubesse instintivamente quando sangue estava prestes a ser derramado.

Ele continuou seu caminho, andando despreocupado, como se só tivesse saído para esvaziar seu intestino. Fingindo um enorme bocejo cheio de dentes, ele examinou os montes de neve irregulares à frente.

Era difícil ver qualquer coisa através da nevasca e dos ventos uivantes.

Ali, dois montes de neve grandes e uniformes demais para que fossem naturais.

E mais, tinha um pé saindo de um e um tufo de cabelo do outro.

Um sorriso largo e meio banguela se abriu no rosto de Trundle, e ele sacudiu sua juba vermelha esfarrapada para se livrar do gelo.

Então, botou uma mão sob sua capa imunda e remendada para pegar seu fiel porrete, soltando-o do cinto. Seguindo em frente, ele fez o possível para parecer que o vento forte e a neve pesada o atrapalhavam.

Um par de dedos longos com unhas compridas e amareladas surgiram do monte de neve à esquerda. Logo desapareceram, dando lugar a um par de olhos amarelos que olhavam diretamente para ele.

Trundle esperou até que estivesse a um porrete de distância do monte antes de tirar o Treme-ossos de dentro da capa. Na mesma hora, a temperatura caiu, e um frio gélido adentrou suas mãos enquanto o gelo eterno congelava o ar em seu entorno. O porrete era um pedaço enorme de Gelo Verdadeiro com um cabo de obsidiana, que nunca falhou em batalha.

Os olhos dentro do monte se arregalaram de surpresa quando Trundle saltou pelo ar e bateu seu porrete gigante na neve, causando um estrondo colossal.

Um troll com pele esverdeada como musgo se levantou, vacilante, de seu esconderijo, e na parte de trás de seu crânio havia uma enorme cratera. Ele apontou uma espada oscilante de lâmina de pedra para Trundle, mas a testa franzida e o olhar vesgo mostravam que ele tentava decidir se havia morrido ou não.

“Acho que morri”, disse o troll.

“Acho que sim”, respondeu Trundle, e o troll caiu na neve.

O outro integrante da emboscada pulou com um rugido gutural, levantando um enorme porrete de pedra e atingindo o local exato onde Trundle estava até um segundo atrás. Ele pareceu confuso por não ver um troll morto na ponta da sua arma. Enquanto se dava conta de que o único troll morto era seu companheiro, Trundle já estava segurando seu pescoço.

Trundle ergueu o troll do chão, aquele serzinho medíocre com pele nodosa de cor marrom-ferrugem e tufos grossos de cabelo saindo de seus sovacos e partes.

“Cai dentro, seu malandro!”, disse Trundle animado.

“Era procê morrer”, gorgolejou o troll. “Era pra eu te acertar com meu porrete.”

“Eu notei”, respondeu Trundle, apertando o pescoço do troll até deixar a cara dele num lindo tom de roxo. “Mas ainda tô vivo, e parece que tu e teu amigo ficaram com a pior parte desse negócio, hein?”

Trundle soltou o troll, que caiu na neve com a respiração ofegante e rascante.

“Essa terra é do rei Yettu”, arfou o troll. “Quer o quê aqui?”

Trundle segurou o Treme-ossos perto da cabeça do troll, que gemeu de dor com a proximidade do seu poder gélido.

“Meu nome é Trundle, o Rei dos Trolls, e quero que você me leve até Yettu.”

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