2016 foi o ano em que os heróis preferiram partir para a porrada ao invés de conversarem. Os resultados de tantos desencontros foram “Batman v Superman” e “Capitão América: Guerra Civil”. Neste segundo #TBO, o Cebola Verde resolveu contemplar seus leitores com as análises destes dois filmes que geraram discussões tão calorosas entre os fandoms quanto as brigas nas telonas. Ambos têm muito em comum: heróis brigando entre si, foram lançados em um curto espaço de tempo, tem um vilão manipulando os mocinhos e o conflito poderia ser resolvido com uma conversa. Mas, neste post, vamos nos ater à obra da Marvel. Para conferir nossa revisita ao longa da DC clique aqui.
Guerra Civil é um dos arcos mais emblemáticos e conhecidos da Casa das Ideias. Por ser tão popular entre os fãs, a missão de adaptar a história para as telonas, ao passo que é clamada pelos admiradores e, portanto, garante a atenção do público, também tem de saber equilibrar as alterações – necessárias – sem que a essência dos quadrinhos se perca na outra mídia e a trama ainda se encaixe no Marvel Cinematic Universe (MCU). Neste ponto, o filme de Joe e Anthony Russo cumpre bem essa função – na proporção que a fórmula Marvel permite. Capitão América: Guerra Civil começa com um embate ideológico entre os heróis que evolui para um assunto pessoal entre eles – e, mesmo com uma motivação diferente dos quadrinhos, tem seu peso.
Além de contar com a maioria dos personagens já estabelecidos, o conflito que divide a equipe já tinha raízes nos filmes anteriores. Muito mais do que as faíscas de animosidade entre Tony Stark (Robert Downey Jr.) e Steve Rogers (Chris Evans), as ações dos Vingadores – individualmente ou coletivamente – passaram a ser criticadas e a Organização das Nações Unidas (ONU) decide intervir através da criação do “Tratado de Sokovia”. O acordo limita e regulamenta a ação de indivíduos aperfeiçoados ou com habilidades, incluindo os “heróis mais poderosos da Terra”. Isso divide a opinião do grupo e é o suficiente para aumentar o conflito geral.
The treta has been planted
O filme já começa mostrando o quão destrutiva pode ser a intervenção dos heróis na maior cidade da Nigéria: Lagos. Na sequência, enquanto tenta impedir Ossos Cruzados de se explodir e levar, dentre outras pessoas, o Capitão América junto a recém-integrada à equipe, Feiticeira Escarlate (Elizabeth Olsen), perde o controle e acaba matando vários civis em um prédio. Este foi o estopim para a criação do Tratado, mas não foi a única causa.
Desde o primeiro filme da equipe, apesar de combaterem ameaças globais, no caminho milhares de pessoas perdem suas vidas. A despeito dos bilhões salvos, essas milhares se somam até se tornarem centenas de milhares e depois milhões de efeitos colaterais. Em Vingadores, por exemplo, a batalha contra o Exército Chitauri em Nova York salva a humanidade de uma invasão alienígena. No entanto, Manhattan sofre inúmeros danos – repercutidos em outros filmes e também em séries -, além de quase ter sido alvo de um míssil nuclear enviado pelo próprio governo estadunidense para conter a invasão.
Já em Capitão América 2: o Soldado Invernal, o inimigo é um antigo aliado. Após descobrir que a Shield foi infiltrada com agentes da Hydra, Cap, com ajuda da Viúva Negra (Scarlett Johansson) e Falcão (Anthony Mackie) frustra os planos da organização, mas deixa um rastro de destruição em Washington.
Por último, o assunto possivelmente mais importante que potencializou a Guerra Civil foram os acontecimentos de Vingadores: Era de Ultron. E aí não se enquadra apenas os acontecimentos que destruíram Sokovia, que por si só já seriam suficientes, mas toda a luta entre Hulk (Mark Ruffalo) e Homem de Ferro também entra como consequência. Além disso, a ameaça que destruiu um país foi uma criação dos próprios Vingadores, no caso, Tony Stark e Bruce Banner, o que se torna um agravante.
Em ambos os filmes da equipe, Tony e Steve Rogers têm embates ideológicos. Mas, apesar de Rogers, nos filmes antecessores, adotar uma postura mais acusatória em relação ao Stark, enquanto este preza pela sua liberdade, em Guerra Civil, os papéis se invertem e nem por isso soam forçados.
Isso porque Tony carrega em si a consciência pesada, principalmente pela criação de Ultron. Por outro lado, Steve percebeu, pelos acontecimentos em seu último filme solo, que não dá para entregar os heróis nas mãos dos governos, pois há sempre o risco do Estado se corromper.
Equilíbrio perfeito?
Guerra Civil não é perfeito, mas, dentre todos os filmes do MCU, é o que tem mais facilidade para se encaixar na fórmula Marvel. As circunstâncias fazem com que as alianças de Homem de Ferro e Capitão América entrem em conflito e a tensão ganhe tons mais dramáticos após o pedido do antigo general e agora secretário de Estado, Thunderbolt Ross (Willian Hurt), que divide os heróis. Mas Ross, assim como todo o elenco, é manipulado por um vilão fraco, sem recursos, mas que tem um superpoder ao seu lado: as conveniências do roteiro.
Barão Zemo (Daniel Brühl) desempenha exatamente o mesmo papel de Lex Luthor em Batman vs Superman, apesar de se levar a sério e ter motivações emotivas e mais claras, mas nada que o faça ao menos memorável.
Apesar de um adversário fraco, o filme conta com a excelente direção de Joe e Anthony Russo que entregam, assim como em todos os seus filmes no MCU, cenas de ação criativas e de encher os olhos. As coreografias de luta deixam o público sem ar e a câmera na mão traz mais realidade ao filme.
O longa tem altos e baixos quando se trata de efeitos especiais. Enquanto o recurso é bem usado no rejuvenescimento de Robert Downey Jr., em outros pontos, como em algumas lutas e perseguições, a tela verde quase pula na cara do público, e alguns personagens – sobretudo os que usam máscara – às vezes têm um ar cartunesco.
A paleta de cores dá uma leve mudada nos flashbacks, mas nada que se destaque. A trilha sonora não é tão marcante em comparação aos outros filmes, mas cumpre bem o seu papel. O filme consegue balancear perfeitamente comédia, ação e drama. Além disso, o roteiro, apesar das facilitações para o vilão, traz um tom aventureiro para trama.
O trabalho de edição e os excelentes diálogos também merecem elogios.
Tratamento dos personagens
Guerra Civil também ajudou os diretores mostrarem a destreza em trabalhar individualmente e em grupo cada um dos personagens. Os pontos fortes – tanto de habilidades como nas personalidades – de cada um brilham nas mãos deles, assim como acontece em “Vingadores Guerra Infinita” e “Ultimato”. Os heróis e heroínas já estabelecidos são perfeitamente inseridos e suas motivações combinam com as características já vistas anteriormente.
Já os personagens introduzidos ao público neste longa são apresentados de forma sucinta, porém eficiente. O Homem Aranha (Tom Holland), principalmente, tem uma nuance muito importante nos quadrinhos e que foi abandonado em seus filmes solos do MCU: o discurso de responsabilidade. Em poucos segundos fica estabelecido que Peter é o amigão da vizinhança porque sente que seus dons têm um motivo maior do que simplesmente jogar futebol. Apesar disso, ele é leve e está deslumbrado com os outros heróis, além de ser piadista como é esperado.
Pantera Negra (Chadwick Boseman) é o personagem mais sério e com a maior carga emocional. Ele é motivado por vingança e tem o porte mais imponente dentre todos os heróis. Apesar disso, sua postura é coerente com os acontecimentos do filme e ajuda na introdução do excelente filme solo – que de certa forma também se trata de vingança.
Destaque também para os protagonistas Steve Rogers, Tony Stark e Buck Banners (Sebastian Stan). Obviamente, o maior tempo de tela é do dono do filme, mas o balanço com o Homem de Ferro é bem feito. Já o fio condutor e marionete do filme é o Soldado Invernal, que ainda lida com a lavagem cerebral e varia entre amigo e inimigo.
Ideologia x pessoal
O filme pode ser divido em quatro atos e, ao contrário do que normalmente se viu nos filmes de herói da mesma época, a última parte do filme não eleva o nível de ação, mas, sim, as motivações dos heróis. Tony Stark percebe de forma atrasada que seu colega de equipe estava certo e que Buck foi incriminado. Então, Stark decide ajudar Rogers, mas, ao se reunirem, o verdadeiro plano do vilão é revelado. A motivação que levou o trio até a Rússia foi a suposta intenção de Zemo em despertar soldados invernais mais poderosos que Buck, porém, ao chegar ao local, a possível ameaça já foi derrotada, o que confunde os heróis.
Acontece que após perder a família em Sokovia, Zemo quer destruir os Vingadores de dentro para fora e, de certa forma, consegue. Ele revela que o Soldado Invernal – controlado pela Hydra – matou os pais de Tony Stark, que também percebe que Steve Rogers sabia da história. Homem de Ferro então parte para cima dos dois e a pancadaria de verdade começa.
Apesar da batalha no aeroporto na Alemanha ter mais pessoas e poderes distintos, não existe realmente a intenção de matar de nenhuma das partes. Já na luta na Rússia, Tony não quer saber de brincadeira e, nem que precise passar por cima do ex-aliado, pretende deixar Buck escapar. O resultado é a luta visualmente mais bonita do filme e um Buck com o braço de ferro destruído. Além disso, o público descobre que mesmo usando uma armadura – visivelmente mais contida para lutar com “amigos” – o Homem de Ferro não conseguiu vencer o Capitão América no confronto.
Sem repercussão?
Além da separação dos Vingadores – que é praticamente resolvida em Guerra Infinita -, o filme não trouxe grandes consequências para o MCU. O Máquina de Combate (Don Cheadle) é acertado na coluna, mas Tony cria uma forma dele voltar a andar e isso nunca mais é mencionado nos outros filmes. Outro ponto quase não repercutido nos filmes seguintes é a rachadura na equipe. Isso porque após Guerra Civil foram lançados vários filmes solos dos heróis, onde o assunto é praticamente esquecido: Doutor Estranho (2016), que ignora completamente os acontecimentos do longa anterior; Guardiões da Galáxia vol. 2 (2017), cujos personagens não fazem a menor ideia sobre a existência dos Vingadores; Homem Aranha de volta ao lar (2017), onde, além do vlog gravado por Peter Parker durante sua estadia na Alemanha e uma fala do professor dele sobre o Capitão ser um foragido da justiça, o conflito é esquecido; Thor: Ragnarok (2017), que não menciona nenhum acontecimento de Guerra Civil, embora exista cenas dos personagens na Terra; Pantera Negra (2018), além da morte de T’Chaka (John Kani) e uma cena pós-créditos, é quase como se a Guerra Civil nem tivesse acontecido.
Isso até chegar em Vingadores Guerra Infinita (2018) que, em tese, abordaria de forma mais aprofundada a separação da equipe. No entanto, após a ameaça alienígena, todos os heróis – incluindo os que assinaram o acordo – mandam uma banana para o Tratado de Sokovia, sem que haja qualquer consequência. O próprio Tony Stark, que resistiu um pouco mais a entrar em contato com Rogers, só não o faz, porque é interrompido bem na hora. Ou seja, no fim das contas, o filme não teve o peso esperado no MCU.
Apesar de não gerar tantas consequências e debates, Guerra Civil é um dos melhores filmes de heróis que balanceia ação, aventura e humor, fazendo jus aos quadrinhos homônimo.