Ouvi uma piada uma vez. Um homem vai ao médico e diz que está deprimido. Diz que a vida parece dura e cruel. Conta que se sente só num mundo ameaçador onde o que se anuncia é vago e incerto. O médico responde: “O tratamento é simples. O grande palhaço Jim Carrey está nos cinemas, assista ao filme. Isso deve animá-lo”. O homem se desfaz em lágrimas: “Mas, doutor… Eu sou o Jim Carrey.” Boa piada. Todo mundo ri. Rufam os tambores. Desce o pano.
Antes mesmo de Adam Sandler, que já havia feito o excelente filme não comédia Punch-Drunk Love, ser reconhecido por sua interpretação dramática em Uncut Gems, Jim Carrey já havia mostrado ao grande público que palhaços também choram. Em “Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças” temos uma situação similar, onde o ator é reconhecido pelas sua atuação engraçada, mas está em um filme melodramático.
Em alguns filmes, o protagonista é apenas um personagem estável, porém, em determinadas cenas, há brechas para ele brilhar, como é o caso do soquinho na parede do Adam Drive. Aqui não temos brigas eloquentes entre o casal, duelos verbais como os escritos por Aaron Sorkin ou longos monólogos. Mesmo sem a presença desses elementos, Jim Carrey carrega a dor de seu personagem: conhecer alguém especial, se amarem e, no fim, se perderem. Mesmo em seus momentos mais leves, não há espaço para as reconhecidas caretas de Carrey, o que ajuda a construir seu personagem: meio tímido, fechado e um pouco mau-humorado. O segredo aqui, creio eu, é limitar a comédia apenas nos momentos necessários, evitando que o Jim Carrey “engraçadão” supere a figura do personagem.
Em Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças acompanhamos a história de Joe Barish (Jim Carrey) e seu relacionamento com Clementine Kruczynski (Kate Winslet) que também manda muito bem na interpretação, ao criar uma personagem instável, com oscilações rápidas entre altos e baixos, de atitude e, apesar da estranheza, carismática. Após anos de uma relacionamento normal, com bons e ruins momentos, eles se separam.
Pouco tempo depois, ao visitar um casal de amigos em comum, Joel descobre que Clementine decidiu, através de um experimento científico, apagá-lo de sua memória. Inconformado com a decisão, e ainda tentando superar o luto do relacionamento, ele toma a mesma atitude. Quer esquecer todos os momentos que passaram, enterrar de vez o amor que um dia sentia e seguir em frente, sem uma única lembrança de quando estiveram juntos.
O processo de eliminação começa e acompanhamos Joel em seu subconsciente revivendo trechos de seu relacionamento com Clementine. Poucos segundos depois, ela desaparece. Ao longo dessa experiência, ele começa a perceber que a está a perdendo. Joel passa a se questionar o que teria feito de diferente para o relacionamento dar certo. E, perto do fim, ele quer desistir, voltar atrás. O término do relacionamento e o fato dela o ter apagado da memória não justifica ele deletar todos os bons momentos que viveram juntos. Ele ama aquelas memórias. Os minutos de amor valeram pelas horas de dor das cicatrizes deixadas.
Confusão ou mistério
Com o início do filme é, na verdade, o começo do fim, a edição precisa manter um certo mistério sobre o que está acontecendo. No entanto, por vezes, nos minutos iniciais, temos momentos deliberadamente confusos e outros onde a confusão parece não ter sido intencionado. Assim, em algumas partes, a mistura de linhas temporais me pareceu mais bagunçada do que misteriosa, mas nada que afetasse consideravelmente o desenvolvimento da história.
Temos um primeiro ato acelerado onde o roteiro parece ter medo de revelar demais. Com isso, o texto falha em estabelecer uma conexão mais forte entre os protagonistas, que existe e é duradoura, mas não é bem explorada.
Outro problema aqui é a trilha sonora que, em um ou outro raro momento, parece exagerar no tom e criar um senso de urgência inexistente na cena. Além disso, o silêncio poderia ter sua duração estendida, pois teria mais a oferecer ao clima dramático do filme.
Como consequência temos um segundo ato alongado. Algumas cenas apresentam ideias repetidas e poderiam ter sido usadas inicialmente para fortalecer o relacionamento do casal no primeiro ato e serem apenas reinseridos através de flashbacks no segundo. O final, talvez, também pudesse ser estendido para maior reflexão dos personagens sobre a verdade que lhes é apresentada Entretanto, eles apenas aceitam as informações. A conclusão, porém, não deixa de ser um dos melhores momentos da obra.
Brilho eterno x sem lembranças
Apagados da memória um do outro, Joel e Clementine voltam a se reencontrar e se apaixonam pela segunda vez. Ele continua o mesmo: um pouco mau-humorado e fechado. Ela também não mudou: continua sendo comunicativa, agitada. Ela sofre com a ansiedade de querer aproveitar cada momento ao máximo. Ele contenta com o mínimo.
Após criarem novas boas memórias, eles recebem um fita. No áudio, eles justificam ao médico o motivo de desejarem apagar o outro da mente e, para isso, citam os defeitos de cada um. Ou seja, o segundo amor deles parece estar fadado ao fracasso, pois logo descobrirão seu defeitos e o relacionamento começará a se desgastar.
“O que fazemos agora?.” “Aproveitamos.” “Tudo bem.” “Tudo bem.”
Mesmo que estejam de fato vivendo um relacionamento destinado ao término, eles aceitam que os bons momentos vão justificar a decisão. A perfeição está nos pequenos amores, nos rápidos olhares, nos momentos mais triviais e bobos. Não é preciso uma grande história de amor para contar uma história de amor. Você rejeitaria a chance de viver um bom relacionamento apenas porque ele vai terminar? Você prefere rejeitar o amor uma única vez do que ser condenado a nunca mais lembrá-lo? Você destruiria memórias especiais, o brilho eterno, para fica sem lembrança apena porque levou um pé na bunda?
A busca por um relacionamento perfeito é apenas isso: uma busca.