Análise sobre o filme “Casa Gucci”, da Universal Pictures aqui no site Cebola Verde. Confira a ficha técnica da trama:
Nome: Casa Gucci (House of Gucci)
Estreia: 24 de novembro de 2021 – 158 minutos
Direção: Ridley Scott
Elenco: Lady Gaga, Adam Driver, Al Pacino, Jeremy Irons, Jared Leto, Jack Huston, Salma Hayek
Distribuidora: Universal Pictures
Gênero: Crime, Drama
Histórias de True Crime tem crescido absurdamente nos últimos anos, e embora Hollywood tenha se aproveitado desse tipo de narrativa há muito tempo, a expectativa para esse filme em especial vieram de vários fatores que estouraram ainda mais a bolha dos fãs de histórias de crimes reais. O grande chamariz do filme certamente é o elenco, Adam Driver (Histórias de Um Casamento), Al Pacino (Scarface), Jeremy Irons (Lolita), Salma Hayek (Frida) e até mesmo Jared Leto (Clube de Compra Dallas) já atraíram o olhar de qualquer fã de cinema, mas temos aqui Lady Gaga em um papel que pareceria escrito para ela se a personagem não fosse alguém real. A carreira astronômica de Lady Gaga na atuação certamente dá um passo tão grande comparado a ser protagonista da mais nova versão de Nasce Uma Estrela, que lhe rendeu diversos prêmios além do prestígio do público e da crítica especializada, a sua estreia como atriz em American Horror Story. De qualquer maneira, nas mãos do consagrado diretor Ridley Scott e com uma personagem tão emblemática como é Patrizia Reggiani, era sua oportunidade de se provar mais uma vez como uma grande atriz.
A trama inicialmente é simples, vemos a progressão do relacionamento de Patrizia Reggiani, interpretada por Lady Gaga, e de Maurizio Gucci, interpretado por Adam Driver, até os eventos que cuminam no assassinato de Maurizio, ordenado pela sua própria esposa. Esse fato não pode ser considerado um spoiler porque além de ser de conhecimento público, é o tema pelo qual o filme se vende, embora ele seja mais do que isso, o que acaba sendo um dos seus maiores acertos.
Um filme sobre esse curioso caso demorou 20 anos até que conseguissem tirar esse projeto do papel, grandes nomes já passaram ou foram cogitados para o projeto mas analisando a forma em que ele saiu parece que o timing foi perfeito e vários elementos do filme fazem com que ele seja ainda mais interessante do que talvez fosse há 20 anos atrás. Um dos principais elementos claro que é o crescimento do público em crimes como esse, o que rendeu ótimas obras no cinema e na tv que foram bastante importantes para a concretização de House of Gucci, em formato de série eu indico American Crime Story, especialmente a segunda temporada, subtitulada como “The Assassination of Gianni Versace”, que explora o assassinato do estilista Gianni Versace cometido pelo serial killer Andrew Cunanan e também a série Succession, que embora não seja abertamente baseada em fatos parece ter inspirados grande parte do miolo do filme ao tratar das intrigas familiares ao lidar com o gerenciamento de uma grande empresa.
O que torna esse longa rico em comparação a tantos filmes parecidos é justamente a mistura de diversas inspirações para outros núcleos que transcende a relação assassino-vítima e encadeia de maneira engenhosa as motivações com os dramas corporativos de forma que constrói os personagens enquanto abordam temas como a ambição desenfreada e como isso afeta psicologicamente os mais variados personagens envolvidos, o que acaba por fazer uma conexão interessante com os fatos reais, mesmo que se distancie ou tome liberdades para uma interpretação própria da narrativa, mas que constroem o caráter desses personagens ao longo dos anos. O maior desafio do filme parecia ser de que forma abordar essa história, e contar como uma história de amor e poder parece combinar perfeitamente com os temas propostos, tornando o longa quase como uma biografia ao não se apegar tanto ao assassinato em si.
Claro que a abordagem foi um desafio que foi vencido de forma extremamente gratificante para quem conhece, mesmo que pouco, o que ocasionou os eventos retratados mas um outro desafio era também qual seria o tom dessa história, e aqui o filme não foi tão feliz. Primeiramente, a montagem do filme não ajuda muito na hora de estabelecer o tom, especialmente no primeiro e segundo atos tínhamos cortes e transições que quase me tiraram da atmosfera do filme. É compreensível que em um filme com mais de duas horas e trinta minutos que tivesse uma preocupação em manter um público cativo sem parecer que estava sendo enrolado com detalhes supostamente desnecessários, mas a impressão que ficou era que o primeiro corte talvez fosse ainda muito maior e em um desespero de encurtar o máximo possível o filme não tomou cuidados simples que embora tenham deixado a trama mais dinâmica parecia um trabalho fragmentado onde apenas juntaram uma cena a outra sem pensar na fluidez entre elas, apenas focando no resultado final do filme, e isso também afeta o tom do filme, que em uma hora está em uma cena dramática e sutil, depois em outra caricata e cômica que logo é cortada com uma sequência reflexiva sobre as questões familiares e da marca que carrega o nome da família em uma passagem temporal um pouco confusa. O que por vários momentos me deixou desconfortável pela falta de sutileza em algumas passagens, as músicas que pareciam não encaixar bem com o tom das cenas.
Ao criticar esses pontos parece que tem algo de ruim em ser caricato ou cômico, mas não. Por diversos momentos isso funciona muito bem, principalmente com as falas de Al Pacino que parece extremamente confortável no papel, ou no jeito desengonçado que Adam Driver dá ao personagem de Maurizio. Os personagens permitem uma caricatura da realidade, e muitas vezes sendo ainda menos caricatos que na vida real, como é a Patrizia interpretada por Lady Gaga. No geral o elenco está espetacular em seus devidos papéis, mas com certeza o grande destaque está no casal protagonista, Lady Gaga ao mesmo tempo que entende bem os trejeitos de Patrizia abre mão de ser tão expansiva como a figura real e dá ar de complexidade para a personagem, dando camadas para cada ação e até mesmo pensamentos de Patrizia de forma que conseguimos capturar no olhar, já Adam Driver constrói certinho a empatia que precisamos ter por Maurizio ao mesmo tempo que sutilmente vemos a gradação ou evolução do personagens nos menores gestos, certamente foi a atuação que mais me surpreendeu e eu arriscaria apostar ao menos uma indicação para os dois nas premiações.
Entram agora duas figuras que exemplificam bem os problemas de tom que eu explicito anteriormente: Jeremy Irons e Jared Leto. Eu coloco os dois em comparação não por terem menos mérito quanto suas performances no filme, mas como que os dois personagens quase que de forma antagônica acabam exercendo papéis similares em nível de caricatura, mas que destoam completamente em tom. Enquanto Jeremy Irons, mesmo com poucas cenas, retrata bem a excentricidade de um homem rico na indústria da moda de forma que casa com os contextos nos quais o personagem é submetido, Jared Leto recebe figurinos e maquiagens a fim de deixar ainda mais caricato um personagem que, embora importante para o plano dos demais personagens, acaba servindo de alívio cômico que destoa das demais caricaturas e momentos cômicos do filme, e acredito que não por demérito do ator, uma vez que o filme é cômico e melodramático em diversos momentos sem ter vergonha disso, mas talvez por um texto somado a uma direção ruim do personagem.
A pressa do filme em lidar com diversos elementos acaba dando uma estranheza a certos elementos que poderiam dar um destaque ainda maior pro filme. A direção do Ridley Scott constrói bem a maior parte dos personagens e cenas, mas ao mesmo tempo esquece que estamos lidando com um império de moda e deixa o figurino ter um destaque apenas em poucos momentos ou personagens, a maioria deles protagonizados por Patrizia. Outro esquecimento do diretor é a personagem interpretada por Salma Hayek, que tem grande importância como confidente e cúmplice de Patrizia mas que aparece pouco quase como se a atriz estivesse no elenco apenas para evitar questões judiciais, uma vez que ela é casada com o criador da corporação que hoje é dona da Gucci.
De forma geral, Casa Gucci é um filme envolvente que utiliza bem um caso que mantém o interesse até o final, mesmo que não foque no assassinato em si e faça jus ao seu título ao mostrar as intrigas da família e da marca que junto a transformação dos personagens que achávamos conhecer formam uma história cativante. Mas as mudanças e esquecimentos de certas temáticas, a edição e passagem de tempo estranhas do longa, que mesmo com uma ótima trilha, evidenciam como o tom e alguns personagens variam em grau, importância e tempo de tela mais do que seria agradável. Fazendo o material final ser satisfatório, mas com um gosto de potencial desperdiçado.