Como era o mundo em 1937? Bom, o presidente era Getúlio Vargas e deu um golpe de estado no país, fundando o Estado Novo. Nasciam Saddam Hussein e Beto Carreiro. Foi só neste ano que a mulher brasileira conquistou o direito ao voto. Apenas quatro anos antes, em 1934, a mulher foi oficialmente considerada cidadã pelo Estado (embora com poucos direitos). A forma como a mulher era vista na sociedade se retratava no cinema. Resquícios desta visão ainda respingam nas gerações atuais, principalmente quando se trata das princesas protagonistas dos clássicos da Disney.
Em 1937, Walt Disney dava o primeiro passo para as animações no cinema, com o clássico “Branca de Neve e os sete anões”. O filme é um marco da sétima arte e até hoje encanta pessoas de todas as idades pelo primor da obra. Apesar da excelência incontestável do longa, que iniciou a “Era de Ouro” da Disney, a protagonista é muito diferente das atuais.
Branca de Neve – assim como “Cinderela” (1950) e Aurora de “A Bela Adormecida” (1959), ambas personagens da “Era de Prata” – tem mais características físicas do que camadas da personalidade. As três passam seus filmes cantando, desempenhando tarefas domésticas e dormindo. Da mesma forma, estas princesas precisam ser salvas no fim pelo “príncipe”.
As vilãs do filme também são problemáticas pelo fato de serem motivadas pela famigerada rivalidade feminina, incitada até hoje. A Rainha Má quer matar Branca por ela ser a mais bela; a madrasta e as irmãs adotivas de Cinderela a maltratam porque – novamente – sentem inveja dela; até Malevóla, uma das melhores vilãs da Disney, é motivada por vingança ao ser preterida no meio das outras fadas para a apresentação de Aurora.
Revolução
Mas muito se engana quem pensa que “Frozen” (2014) marcou o início do empoderamento das princesas Disney. O estúdio começou a trabalhar a personalidade de suas protagonistas em contos de fada na década de 1990, na “Era do Renascimento”, com os filmes “A Pequena Sereia” (1989), “A Bela e a Fera” (1991), “Pocahontas” (1995) e principalmente “Mulan” (1998). Nestas obras, apesar de ainda se apegarem a alguns clichês, as personagens têm motivações independentes de se casar com príncipes. Todas as princesas – Mulan não pertence à realeza, mas é oficialmente considerada uma princesa Disney pelo estúdio – têm personalidades bem estabelecidas e fazem diferença real na trama, muito além do que se limitarem a ser mocinhas em perigo.
Os vilões – ou vilã – também abrem mão da rivalidade feminina e têm motivos mais palpáveis do que apenas sentir inveja da protagonista. A despeito de todas essas evoluções, ainda há questões problemáticas envolvendo as tramas, como a “síndrome de estocolmo” em A Bela e a Fera, além das discussões se Ariel foi para o mundo da superfície e aceitou um acordo absurdo com a Úrsula porque era seu sonho ou se foi pelo príncipe Eric.
Sem necessidade de um príncipe, mas até cai bem
A evolução das princesas continuou na “Era da Renovação”, com lançamentos como “A Princesa e o Sapo” (2009) – o último filme no estilo de animação clássica do estúdio, “Enrolados” (2011), “Frozen” e “Moana” (2017). Aqui, as princesas podem ou não terem interesse amoroso. Algumas, como Tiana, Rapunzel e Anna se apaixonam, outras, como Elsa e Moana, não se envolvem romanticamente com ninguém e, ainda assim, são desenvolvidas perfeitamente. Os relacionamentos, quando têm de acontecer, surgem de forma fluida e bem trabalhada, sem essa de “amor à primeira vista”.
Em Frozen há, inclusive, uma piada sobre se apaixonar e casar com alguém que você acabou de conhecer, numa clara crítica aos longas mais antigos.
Respeitar o antigo, mas refletir
Esta coluna não tem o intuito de desmerecer os filmes de outras eras. A intenção é gerar reflexão sobre a evolução da sociedade e o papel da mulher nele. Branca de Neve, por exemplo, foi lançado há mais de 80 anos e continua entretendo e ganhando fãs até hoje. No decorrer destas oito décadas que separam a obra dos dias atuais, a luta pelos direitos das mulheres se tornou um assunto importante e necessário na sociedade. Não é errôneo assistir os clássicos mais antigos, muito menos amá-los.
Informações adicionais
Foram desconsideradas as sequências dos longas, assim como os filmes da Pixar – por isso a ausência da Merida. A análise contempla unicamente os contos de fada da Disney com histórias que têm princesas como protagonistas.
As animações da Disney são dividas em oito eras, embora neste artigo sejam apenas citadas de maneira superficial quatro destas eras. Posso escrever uma próxima coluna falando da divisão de cada era do estúdio. Deixe nos comentários se quiser.