A QUEDA DAS ESTRELAS
PRÓLOGO
O Sonho
Eu tenho um sonho recorrente.
Tudo começa na escuridão. Ela é tão densa que não sei nem se meus olhos estão abertos. É como se eu acordasse em meio a um apagão, com todos os familiares raios de luz agora apagados, engolidos pelas sombras. Somos só eu e a noite vazia.
E eu não resisto. Estendo a mão na esperança de que seja só um apagão, de que eu consiga afastar o peso de estar sozinha sob o que parece ser uma centena de cobertores pesados. Mas a escuridão não cede.
Deslizo pela meia-noite como água em um poço, o eterno gotejar frio da solidão sobre as minhas costas. É aí que percebo que não há superfície a ser rompida. Meu peito aperta, meu coração acelera, minha respiração falha. Eu me perco nos meus próprios medos. De repente, algo ou alguém abre uma fenda nas profundezas da escuridão e eu mergulho ainda mais fundo na tinta negra. Abro a boca para gritar, berrar, mas não produzo som algum.
O que esperar quando minha boca é puro vácuo? Meu coração bate rápido demais. Estou prestes a desistir, prestes a me render, quando enfim as sinto.
Janna. Lulu. Poppy. Jinx. Sinto sua luz, sinto-as irradiando calor e alegria, conforto e risadas, com tanta intensidade que é impossível não entrarem em combustão.
Meus olhos se abrem. Talvez eles já estivessem abertos desde o início, mas é a primeira vez que consigo enxergar alguma coisa. Seus rostos são tão belos, tão pacíficos. Elas estão dormindo, talvez sonhando, alheias à escuridão que nos rodeia. Estendo meus braços, mas elas estão longe demais. Só então percebo que estamos caindo.
O horizonte de um planeta grande e azul sobe em nossa direção. Não consigo me concentrar no nosso destino, no perigo que se aproxima rapidamente. Neste momento, já não me importo mais, e só o que vejo são as minhas irmãs caindo. A atmosfera do planeta abaixo arde em chamas e as luzes delas se acendem.
Meus braços doem até os ossos. Eu tento agarrá-las, tento segurá-las, mas não consigo impedir sua queda. Não sou forte o bastante para nos manter juntas. Não sou o bastante para elas. As pontas dos meus dedos começam a brilhar e, de repente, quebram. A última coisa que vejo são seus emblemas escurecendo enquanto sua luz se estilhaça em um arco-íris de brasas irregulares.
Então eu acordo.
Estou na minha cama, o cobertor amarrotado e molhado de suor. A escuridão se extinguiu e foi substituída por um cinza morto. Tenho dormido com uma da janelas abertas, então ando até ela e observo a rua abaixo. O suave brilho das luzes lá fora pinta sombras em mim e meu quarto.
Sobre o silêncio adormecido, paira a escuridão. Posso senti-la ali, imóvel, estendendo-se para além do horizonte. Da cidade, é difícil ver as estrelas, limitadas a um ou outro ponto no céu negro. Mas sei que há mais delas lá fora, em algum lugar.
Volto para a cama e espero o amanhecer. Não adormeço de novo, não consigo. O sonho é o mesmo.
Sempre o mesmo.
CAPÍTULO 1
O Conselho das Guardiãs Estelares
“Você não vai se juntar à gente?”
Jinx está reclinada em uma espreguiçadeira de plástico no jardim enquanto Shiro e Kuro cochilam na grama aos seus pés. Não sei muito bem se ela me ouviu. Seus olhos e sobrancelhas estão cobertos por um par de óculos de sol de plástico anormalmente grandes. Ela está com um fone de ouvido na orelha esquerda, mas vejo o outro pendurado do outro lado da espreguiçadeira.
Com certeza ela me ouviu.
“Ei, você vai entrar? Já vamos começar.”
Jinx coloca um chiclete fluorescente na boca e mastiga ruidosamente, estourando as bolhinhas com os dente e então lentamente começa a soprar uma enorme bola cor-de-rosa. Quando a bola cresce a ponto de obscurecer os óculos de sol, ela a aspira de volta com um estouro.
“O verão não vai durar para sempre, Lux”, diz ela, sem olhar para mim. Jinx coloca os braços atrás da cabeça enquanto o reflexo das grandes nuvens brancas passam em seus óculos. “Melhor aproveitar o sol antes que ele suma”.
Ela enrola uma longa mecha vermelha no dedo, como se me desafiasse a lhe dar um bom motivo para entrar.
“Tem razão”, respondo. Ela adora sentir que está certa. “O verão já vai acabar. Eu só acho que a gente deveria conversar sobre… umas coisas, sabe. Antes que as aulas comecem de novo.”
Jinx fez uma careta e um barulho com a língua.
Eu não deveria ter mencionado as aulas, agora sim que ela não me escutaria.
“Então tá”, continuo, tentando outra tática. “Pelo jeito você não quer os picolés que a Poppy trouxe.”
Jinx senta-se na espreguiçadeira, uma perna de cada lado do móvel. Kuro acorda, boceja e começa a brincar na grama com Shiro, ainda adormecido. Jinx levanta os enormes óculos, fazendo parecer que duas enormes estrelas cadentes saíam de suas tranças.
“Picolés?”
“Aham”, respondo, entrando em casa. “Em formato de foguete”. Fecho a porta de vidro de correr e vou em direção à cozinha. Cinco segundos depois, ouço a porta abrindo e fechando.
Graças às estrelas. Por mais temperamental que Jinx fosse, ao menos ela era bem previsível em relação a sobremesas. E munição.
Minha paz não dura muito. Quando entro na cozinha, vejo Poppy em um banco na frente do fogão, virando panquecas na chapa. Sua determinação era evidente pelo ângulo de seus cotovelos e pelo modo como segurava firme a grande espátula de metal. Uma trilha de massa de panqueca e calda pegajosa a segue até a geladeira e o balcão.
“Err, Poppy, o que está acontecendo? Eu saí por, tipo, cinco minutos”. Enquanto isso, Jinx passa por mim e vai direto até o congelador.
“A Lulu disse que estava com fome”, diz Poppy, virando a cabeça. Ela dá de ombros e volta a virar a massa fina à sua frente. “Aí eu fiz panquecas”.
Lulu está sentada na mesa da cozinha, concentrada em desenhar com uma mão e fincar as panquecas com a outra, alheia ao drama culinário à sua volta. Pix está mascando a ponta de uma canetinha verde sem tampa. Lulu afaga a cabeça do pequeno silfo sem desviar o olhar de seu próprio desenho.
“Parece uma boa ideia, Tampinha”. Jinx dá um tapinha nas costas de Poppy e senta em uma das cadeiras, tudo enquanto aprecia um dos picolés de foguete. “Faz uma para mim em forma de estrela? Não, pera, em forma de míssil! Aaah, já sei, que tal um míssil de estrela? Quero granulados coloridos!”
“Ah, olha quem finalmente decidiu se juntar a nós”, murmura Poppy em direção à chapa.
Caos. Caos total. Tem massa de panqueca no teto. Como vamos salvar o universo se não conseguimos fazer nada direito? Janna está lavando em silêncio a pilha de louça criada por Poppy e olhando para fora da janela na frente da pia. Zéfiro está sentado no balcão ao seu lado, tentando lamber a calda das patinhas.
“Então”, digo eu, andando até o pequeno espaço ainda livre na cozinha. “Acho que deveríamos conversar sobre o ano que vem. As aulas estão prestes a começar e…”
“Ei, que que cê tá desenhando, Doidinha?” Jinx olha por sobre o ombro de Lulu, roubando um pedaço de sua panqueca com um garfo. Ela quer evitar tanto a conversa sobre o futuro que chega a fingir interesse na Lulu. Dou um grande suspiro, cuidando para não me ouvirem.
Começo novamente. “Como estava dizendo, a gente…”
“É a queda das estrelas”, interrompe Lulu, ignorando totalmente as palavras que saíam de minha boca. “As novas estrelas estão vindo”. Sem levantar o olhar, ela desliza um panfleto em direção a Jinx. Jinx deixa cair uma gota de chantilly e granulados coloridos de sua panqueca em cima do papel enquanto o vira e analisa ambos os lados. Ela dá um sorrisinho e deixa o papel na mesa. Pelo que vejo, o panfleto tem mais de dez palavras e só uma figura, então é claro que Jinx perdeu totalmente o interesse.
Paro atrás de Lulu e pela primeira vez dou uma boa olhada no que a nossa pequena artista estava desenhando. É um campo com umas árvores em volta. No meio dele, estávamos nós cinco, observando um céu noturno. Janna era a figura alta e roxa, Poppy empunhava seu martelo e Jinx era inconfundível com suas longas tranças vermelhas. Imagino que eu seja a figura rosa e redonda. Sério que meu cabelo salta tanto assim pra fora da cabeça?
“Esta é você?”, pergunto, apontando para a menina de cabelo verde no meio da campina repleta de vagalumes verdes e pretos. Lulu acena com a cabeça, mordendo o lábio em concentração enquanto pinta as sombras no azul escuro do céu. Entre as estrelas pintadas de amarelo, há mais cores.
“E essas coisas são o quê?”, pergunta Jinx, apontando para os pontinhos coloridos.
“Novas estrelas, ué”, diz ela, revirando os olhos. Lulu olha para mim. “Podemos ir?”
“Não há mais novas estrelas aqui”, diz Poppy, virando outra panqueca.
De repente, ouvimos um barulho alto vindo da pia. “Desculpe”, gagueja Janna, enquanto pega o prato que quase deixou cair.
Eu me aproximo dela. Pela janela da cozinha, vejo que as nuvens brancas já se foram e agora só havia restado um céu de verão grande e vazio. Na pia, Janna desliza a esponja pelas bordas do prato em uma órbita lenta e molhada.
“Bom reflexo”, digo eu, pegando um pano de louça do balcão e oferecendo a Janna. “Os escorregadios são os mais difíceis de segurar”.
Janna olha para mim, depois volta a olhar para o prato que estava lavando. Suas bochechas coram, traindo sua postura normalmente impassível. Tem algo errado.
Ela acena com a cabeça e coloca o prato extra limpo no escorredor de louça. Janna coloca uma mecha de cabelo lilás atrás da orelha e pega da pilha mais um prato encharcado de calda.
É, definitivamente tem algo errado.
Jinx, alheia como sempre, continua a devorar sua pilha de panquecas com calda, recheando as camadas com chantilly e granulado.
“Você sabe o quanto odeio concordar com a nossa fedelha do cabelo azul”, diz Jinx, enfiando uma garfada enorme na boca. “Mas, Doida, somos só nós contra todo o mal que essa parte da galáxia tem a oferecer”.
Lulu larga a canetinha e pega o panfleto, entregando-o a mim. Limpo a meleca de chantilly e granulados feita por Jinx com um pano de cozinha, deixando um rastro úmido e colorido no canto superior do papel.
“’Queda Estelar de Verão do Acampamento Targon. Assista à chuva de meteoros de verão. Saia da cidade e conheça algumas das novas estrelas. Jogos e diversão. Sua última chance de uma diversãozinha de verão’”, li em voz alta. “É um evento organizado pela turma de Astronomia da universidade, aberto a todos os estudantes locais do ensino médio”.
Olho para as minhas colegas: nenhuma está ouvindo. Lulu voltou a desenhar. Poppy e Jinx estão empilhando cada vez mais panquecas em seus pratos, determinadas a ver quem consegue comer mais. Na janela, vejo o reflexo do rosto de Janna, cujo olhar está perdido no céu de novo.
Amasso o papel, mas relaxo o punho, constrangida pela força que estou fazendo. O prazo para se inscrever no acampamento é hoje mesmo.
“Última chance”, murmuro para mim mesma. Observo as garotas: cada uma está fazendo uma coisa. Elas não vão ficar felizes com isso, mas eu sou a capitã. Vai ser bom para elas. “Vai ser bom para nós”, sussurro em voz alta, me convencendo da decisão.
“Façam suas malas, meninas”, digo em voz alta, abrindo um sorriso grande e radiante. O ar de confiança alegre é uma encenação tanto para elas quanto para mim. Elas me olham, incertas do que está prestes a acontecer.
Tiro o celular do bolso e começo a ligar para o número no panfleto. “Vamos dar as boas-vindas às novas estrelas.”
CAPÍTULO 2
O Acampamento Targon
Jinx desce do ônibus e coloca um chapéu largo na cabeça. Ela havia insistido em ir o trajeto todo de biquíni, e as cores chamativas das peças estavam disfarçadas apenas pela saída de banho transparente que esvoaçava na brisa.
“Ok, suas nerds”, suspira ela. “Vou achar a piscina, é hora de dar umas bombas na água”.
“É um lago”, corrigiu Poppy, que observava atentamente o motorista descarregando as nossas malas na grama.
“Tanto faz, Anãzinha”. Jinx vai até a pilha de malas e pega uma bolsa de pano com desenhos de estrelas e armas enormes feitos à mão. Quando passa por Lulu, ela dá um puxão na borboleta azul que enfeitava o cabelo dela. “Te vejo depois, Piradinha”.
Olho para Poppy.
“Ela não trouxe bombas mesmo, né?”
Poppy dá de ombros. “Acha que ela ficaria quieta se tivesse trazido?”
Estou prestes a chamar Jinx e insistir que ela fique com o grupo quando ouço alguém reclamando atrás de mim. Vejo o motorista do ônibus tirar a última bagagem, braços trêmulos pelo esforço. A mala de lona azul é quase do tamanho da Poppy. Ela o observa com atenção, batendo um pé na grama seca em ritmo impaciente.
O motorista larga a mala com um grunhido. “Que é que você tá levando aqui, hein, garota? Pedras?”
“Não”. Poppy se aproxima e pega a mala pelas alças, jogando-a sobre o ombro com facilidade. Ela sorri satisfeita para o motorista. “Um martelo”.
Poppy me dá o mesmo sorriso, provavelmente lembrando do desafio que propus a todas antes de sairmos: íamos ao acampamento para nos misturar e nos divertir. E sermos normais. Ela pega a mala de rodinhas esquecida por Jinx e cutuca Lulu gentilmente.
“Vamos, Lulu. Nosso acampamento não vai se armar sozinho”, diz Poppy com animação.
Lulu acena com a cabeça, cantarolando uma melodia que só ela conhecia. Ela corre até as flores, depois até as pinhas, depois até as pedras, fascinada por cada tesouro oferecido pelo acampamento, enquanto Poppy mantém sua marcha resoluta pela trilha.
O ônibus dá partida novamente em direção à rodovia e eu o observo sumir por trás de um horizonte de pedras e árvores.
“Agora não tem volta, né, Janna?” Só o que ouço é a brisa soprando em meio aos pinheiros. Viro-me lentamente e vejo que os últimos passageiros do ônibus já estavam na metade da trilha em direção ao acampamento. O ponto de desembarque do ônibus está vazio. “Janna?”
Finalmente, encontro-a de pé sobre o topo arredondado de um rochedo de granito afundado na terra. Ela está de costas para mim, de braços cruzados e algumas mechas de cabelo lilás esvoaçam com a brisa invisível.
“Janna?”
Largo a minha mochila na grama e escalo a rocha para alcançá-la. No pequeno vale abaixo, é possível ver o movimento dos campistas e dos grupos armando as barracas, e as águas cintilantes do Lago Lunari reluzem por entre as árvores. Aposto que Jinx já está se jogando nelas. Senti um sorriso cruzar meu rosto quando me perguntei se ela sabia que as águas vêm do derretimento da neve.
Só que Janna não estava observando nada disso. Ela é tão alta. Protejo os olhos do sol e olho para cima por alguns instantes, tentando ver o que ela vê. Acima de nós está mais um céu de verão, muito azul, totalmente vazio exceto pelo rosto escarpado do Monte Targon e algumas poucas nuvens brancas. Meu cotovelo encosta no braço de Janna enquanto troco de posição.
Janna se vira, surpresa.
“Ah. Oi”, diz ela, como se eu não estivesse ao seu lado nos últimos cinco minutos. Ela sorri, mas sei que ainda está preocupada com alguma coisa. Janna examina o ponto de desembarque do ônibus.
“Aonde foi todo mundo?”
“Nossa”, balanço a cabeça. “Você realmente está com a cabeça em outro lugar, não está?” Volto a observar o contorno roxo-acinzentado do Monte Targon, emoldurado pelos galhos negros dos pinheiros. Ainda há neve no pico, mesmo no meio do verão.
Janna esfrega as mãos sobre os ombros nus e inspira o ar como se de repente estivesse com frio. Não estava nem um pouco frio. Com o céu claro e o sol quente, penso pela primeira vez que deveria ter seguido o conselho de Jinx e ter vindo de biquíni e bermuda. Uso o formulário de registro do acampamento para abanar meu rosto.
“É melhor a gente ir”, diz Janna, descendo do rochedo sem esforço algum com suas longas pernas, como se andasse no ar. Ela me observa enquanto desço desajeitadamente. Seu sorriso some quando ela olha novamente para o céu. “Tem uma tempestade se aproximando”.
“Hã?” Tento olhar para o céu, mas meu pé desliza em um amontoado de pedrinhas soltas sobre a superfície lisa do rochedo. Muitas coisas acontecendo, como sempre. Caio sentada, levantando poeira e raspando a perna no rochedo.
“Ai”. Contorço o rosto com a dor do arranhão. Era só o que me faltava. Lulu, Poppy e Jinx espalhadas pelo acampamento, Janna com a cabeça no mundo da lua e agora sua intrépida líder perdendo a luta para seus dois pés esquerdos.
“Que ótimo”, murmuro, limpando o rosto com a mão.
Uma brisa fresca passa pelo cabelo úmido atrás do meu pescoço. Olho para Janna, que está estendendo uma mão para me ajudar.
“Não precisa”, digo, e forço um sorriso. “Estou bem. E não se esqueça, sem usar poderes aqui”.
Janna dá de ombros. “Melhor tomar cuidado, então. Só temos uma líder”, diz ela. Ela olha para mim e de repente tenho certeza que consegue ouvir todas as dúvidas ricocheteando dentro da minha cabeça. Janna se vira em direção à trilha enquanto eu me levanto.
“Melhor se apressar”, chama ela, sobre o ombro. “Estaríamos todas perdidas sem você”.
Finalmente, solto o fôlego que estava segurando até então. É disso que eu tenho medo.
CAPÍTULO 3
A Turma Popular
O mural de informações do acampamento está emoldurado por um tecido roxo escuro. Grandes pinhas e pedras seguram as pilhas de diferentes panfletos. Atrás da mesa, está sentada uma garota com longos cabelos negros. Não, espera, não era uma garota. Ela parecia velha demais para estar no ensino médio e descolada demais para cuidar da recepção empoeirada de um acampamento de verão. Provavelmente era uma das patrocinadoras da classe de Astronomia. Ouço Janna parando atrás de mim enquanto ando em direção à “garota”. Interpreto isso como um sinal não tão sutil de que estou sozinha.
Vou até a mesa. Os grandes pinheiros e o sol do entardecer formam um feixe de luz que entra pela janela e agride meus olhos independentemente de onde eu fico. O contraste entre o claro e o escuro me impede de enxergar direito a pessoa atrás da mesa. Ela não se esforça para sair das sombras e parece se divertir com a minha incapacidade de achar um local confortável para iniciar a conversa.
“Olá”, digo eu, abanando a mão na direção geral de onde a pessoa parece estar.
“Nome”.
Não foi exatamente a resposta mais amigável. Além disso, ela veio de um ponto mais à esquerda do que eu tinha previsto. “Lux”, respondo, um pouco constrangida. “Luxana. Estou com as…”
“Hmmm, ‘as Irmãs Estelares’”, interrompe a garota. Reprovadora, sua voz tinha um claro tom de escárnio. “Que nome… bonitinho. Vocês duas foram as últimas a se registrar. Normalmente, as líderes são as primeiras”. Ela suspira exageradamente, enfatizando o desprezo.
O sol e o planeta finalmente se alinham, formando uma faixa de sombra de onde consigo ver melhor a nossa juíza colegial. Ao observá-la mais de perto, decido que preferia a versão “apenas áudio”. Ela está franzindo os lábios, como alguém que comeu e não gostou, mas com modos o bastante para não cuspir de volta. Um crachá pendurado em seu pescoço exibe um nome em perfeita caligrafia: Syndra.
“Desculpe”, digo eu, retomando a conversa e tentando aparentar mais confiança. Sabia que deveria ter dito às meninas para ficarem juntas. “Fiquei para trás cuidando para que todas a malas fossem tiradas do ônibus. As outras meninas estavam loucas para ir para o acampamento”.
Sinto os dedos de Janna pousarem no meu braço em um gesto de apoio. Olho para ela e seu rosto normalmente calmo está quase contorcido em uma careta para a garota atrás da mesa. Olho novamente para a recepcionista e depois para Janna antes de voltar à conversa.
“Bem, mas todas já chegaram”, diz Janna, bruscamente.
“Ótimo”, diz Syndra, sem a mínima sinceridade na voz. “Espaço dois-zero dezesseis. Já tem gente do seu grupo lá e também tem alguém fazendo bagunça no lago. Imagino que esteja com vocês”.
Jinx. Que maravilha.
Syndra se debruça sobre a mesa e pega alguns papéis coloridos. Ela para e me lança um olhar quando percebe que não assumo Jinx imediatamente como responsabilidade.
“Seria bom se, tipo, você cuidasse da situação”, diz ela. “Aqui estão um mapa e um cronograma. A melhor observação da chuva de meteoros começa depois da meia-noite”.
Syndra me dá a pilha de papéis e aperta os olhos enquanto me observa de cima a baixo em um julgamento final. Obviamente, não estou à altura de suas expectativas. “Você entende que as líderes são responsáveis por impedir que os grupos se dispersem antes do anoitecer, né?”
“Sim”, respondo com um chiado. Aceno a cabeça pateticamente, me sentindo uma criança. Limpo a garganta e tento encontrar minha voz. “Prometo que vou manter todo mundo junto”.
Como se fosse ensaiado, um grupo de quatro campistas entra na recepção. É como se uma súbita explosão estelar de beleza e popularidade tivesse atingido o acampamento. Alguns campistas deslumbrados começam a rodeá-los, e eu não posso culpá-los; também não consigo desviar o olhar.
“Está aí um grupo que pode te ensinar alguma coisa”, diz Syndra, mordaz. Subitamente, sua expressão de desprezo se transformou em sorriso. “Ahri!”, grita ela.
A estrela central da constelação levanta a cabeça, afasta dos olhos uma mecha de seus perfeitos cabelos cor de pêssego e sorri. Orbitando sua querida líder estão uma ruiva alta, uma garota quieta de cachos verde-água e um cara loiro bem atraente. O grupo vem andando até nós e, no caminho, obviamente atrai mais seguidores, como um ímã. Além de cada membro ser incrível individualmente, eles andam juntos em perfeita sintonia. Não consigo evitar: estou com tanta inveja que meus dentes doem.
“Syndra”, diz Ahri. “Estão todos prontos? Sentimos sua falta nas trilhas hoje à tarde”.
“Tive que esperar pelos atrasados”, diz Syndra, olhando para mim.
“É”, respondo. “Foi mal por isso”. Viro para Ahri e sorrio, estendendo a mão. “Prazer, meu nome é Lux. Você deve ser a…”
“Legal”, diz ela, dando fim à conversa antes mesmo que começasse. Ela observa minha mão estendida por mais alguns segundos, evidenciando o meu constrangimento diante de todo mundo ali. Por fim, ela estende a mão, unhas impecavelmente pintadas, e aperta sem vontade a minha. “Prazer”.
Ahri vira para Syndra, me dispensando de vez da conversa.
“Ok”, respondo, um pouco mais alto do que gostaria. “Bom te conhecer, eu acho”.
Uma brisa começa a soprar pelo acampamento, então me viro abruptamente e escolho uma direção para seguir; qualquer direção, desde que não fosse a mesa de informações.
No mesmo instante, dou de frente com Janna. A pilha de folhetos informativos sai voando. Que exemplo de consciência situacional. Novamente, caio sentada na grama poeirenta e olho para Janna, só que desta vez minha irritação se refletia na expressão da minha amiga.
Sua careta havia sido substituída por uma carranca sombria. A leve brisa em volta se transformou em uma rajada de vento mais forte.
“Preciso dar uma caminhada”, diz Janna. Ela não está perguntando, ela não está nem olhando para mim. Que estranho. Nunca tinha visto a Janna tão… brava.
“Mas Janna”, digo eu, recolhendo os papéis voando à minha volta e tentando tirar os cabelos que tinham entrado na minha boca. “Elas acabaram de nos dizer para ficarmos juntas”.
Tarde demais. Janna começa a descer uma trilha escura, levando o vento consigo. Atrás de mim, por cima do vento que sumia, ouço as risadas de Syndra. Rezo para que Ahri tenha contado alguma piada, mas, quando viro rapidamente para trás, vejo Syndra olhando diretamente para mim. E sorrindo.
Volto a me concentrar em recolher os panfletos multicoloridos, seguindo a trilha de papéis caídos e me afastando o máximo possível da turma popular.
CAPÍTULO 4
Quem Precisa de um Mapa?
Encontro o último folheto amassado dentro do buraco de uma árvore. Em vez de me abaixar para pegá-lo, deixo-me afundar em uma pilha de agulhas de pinheiro e me encosto na árvore. À minha frente está o lago, mas, agora que parei de andar, percebi que não faço ideia de onde estou.
Descanso as costas contra o tronco áspero. Esta viagem não está indo como planejei. Não estamos nem juntas, muito menos trabalhando em equipe.
Meu rosto fica quente, minha garganta fica apertada, a luz refletida pelo lago fica um pouco embaçada. Sinto as lágrimas encherem meus olhos.
Começo a folhear os papéis que recolhi para me distrair do súbito ataque de autopiedade.
“E não tem nem um mapa idiota.” Dei um grunhido de frustração. “Como espero ser uma líder se não sei nem aonde estou indo?”
“Tsk. Quem precisa de um mapa?” Uma voz masculina interrompe o barulho dos campistas ao longe. Olho para cima. Que ótimo. É o cara loiro e bonitinho do séquito estelar de Ahri. Levanto rapidamente e seco os olhos com o dorso da mão.
“Mas, se você realmente acha que precisa de um, por acaso tenho este aqui comigo”. Ele estende um mapa do acampamento levemente amassado pelo vento. O espaço do meu grupo está claramente marcado e numerado pela caligrafia impecável de Syndra. Ele dá um sorriso meio torto. “Tenho um talento para encontrar coisas perdidas. Meu nome é Ezreal, mas pode me chamar de Ez”.
Aceno a cabeça, tentando controlar os soluços. Ele ainda está sorrindo. Será que ele está flertando comigo? Olho em volta, ao que ele tira um lenço do bolso e me oferece.
“Obrigada”, murmuro, sem graça. Mesmo na sombra dos pinheiros, os olhos dele são incrivelmente azuis.
“Talvez você possa me ajudar a encontrar meu grupo”, sugiro, gesticulando em direção às árvores à nossa volta. Somos os únicos neste canto do acampamento. “Parece que estão todos perdidos, menos a gente”.
“Perfeito, então”. Ele afasta uma mecha loira dos olhos, aponta para a trilha e curva-se em um gesto cavalheiresco. “Seu nome é Lux, né? Tem algo a ver com luz?”
“Isso”. Se ao menos ele soubesse. “Minha mãe tinha uma coisa por luminárias de mesa”. Sinto que estou recuperando a alegre confiança de sempre, aquela que Jinx vive dizendo que é irritante. Olho para Ezreal e vejo seu sorriso arrogante titubear por um momento. Ele não tem certeza se estou brincando, e é a minha vez de sorrir. Será que estou sorrindo demais?
“Estou brincando”, esclareço.
“Hã, claro, luminárias são legais”, diz ele, aliviado. “Mas não são meu tipo favorito de luz”.
“Você tem um tipo favorito de luz?”
“Ué, as pessoas em geral não têm?” O sorriso arrogante volta ao seu rosto. A pequena trilha que estávamos seguindo está prestes a se unir a uma trilha maior que vai do lago à parte central do acampamento.
“Vai me contar ou vou ter que adivinhar?” É meio bobo, mas esqueço totalmente da minha frustração momentos atrás. Pela primeira vez desde que cheguei ao acampamento, não estou me preocupando com nada nem tropeçando nos meus próprios pés.
Neste exato momento, Jinx aparece com um sorriso maroto e mechas molhadas pela água do lago. Seu sorriso some gradualmente quando Ezreal sai das sombras e pisa na trilha.
“E aí, miga Lux. Fez um novo amigo?” O tapinha de Jinx nas minhas costas me manda de volta para a realidade e quase me engasgo com minha própria língua ao tentar responder.
“Jinx, esse é o Ez”. Começo a tossir, tentando recuperar o fôlego. “Ez, essa é a Jinx.”
Ezreal estende a mão para Jinx. Jinx aceita o desafio e toma a mão do garoto com força, apertando seus dedos e mexendo o braço para cima e para baixo como se estivesse em um campeonato de queda de braço ao contrário. Para a supresa de Jinx, Ez lida calmamente com o bizarro aperto de mão.
Ela o puxa para mais perto. “Quais são exatamente as suas intenções com a nossa Lux, hm?”, diz ela em um ameaçador sussurro, claramente audível para todos.
Sinto minhas bochechas ficarem mais rosadas que meu cabelo.
“Estávamos… Err…”, gagueja Ez. “Estávamos falando sobre qual é o nosso tipo de luz favorito. Você… você tem algum?”
Boa, Ez. Se existe uma coisa que distrai a Jinx, essa coisa é falar de si mesma.
“Ah, essa é fácil”, responde ela, afrouxando os dedos e largando a mão de Ezreal. Ez abre e fecha os dedos, checando para ver se ainda estavam inteiros.
“Sério?”, pergunto eu, surpresa. “Você tem um tipo favorito de luz?”
Jinx se vira para mim. “Claro que sim. As pessoas em geral não têm?”
Ezreal dá de ombros. O sorriso arrogante volta ao seu rosto.
“Ezreal, está tudo certo?”, indaga uma voz descolada. Pronto, virou festa. A ruiva alta, a segunda estrela na constelação de maravilhas de Ahri, vem andando pela trilha do acampamento principal e se aproxima de nós. Ela não parece muito contente com ninguém ali, especialmente Jinx.
“Tudo certo, Sarah”, diz Ezreal, tentando apaziguar a desconfiança da ruiva.
“Olá! meu nome é Lux”. Limpo a poeira da mão na minha bermuda e ofereço-a em cumprimento. Seus olhos se estreitam e, de repente, sinto como se estivesse sendo analisada sob um microscópio. E claro que, quando fico nervosa, não consigo parar de falar. As palavras jorram da minha boca como se alguém tivesse deixado a torneira aberta. “Hã, prazer em te conhecer, Sarah. Adorei o seu cabelo! Acho que esse tom de ruivo nunca ficaria bem em mim, mas em você… nossa!”
“Miss Fortune”, interrompe ela. “Sarah é só para os íntimos”. Pela expressão em seu rosto, acho que não me encaixo na categoria.
“Ah, claro! Meu nome é Lux. Eu já disse isso? Estava indo buscar os lanches do meu grupo e acabei me perdendo”. Procuro um dos panfletos na minha mão, buscando as informações que li há alguns minutos. “Isso mesmo, lanchinhos para os grupos, ali na barraca de comidas. Parece que hoje tem biscoitos de chocolate e… e… laranjas”.
“Odeio laranja”, diz Miss Fortune com frieza. Ela olha para Ezreal. “Ahri quer que a gente explore o perímetro antes de anoitecer”.
Ezreal bate continência, zombando: “Sim senhora, capitã!”
Miss Fortune revira os olhos e começa a voltar para o acampamento, e Jinx me puxa na direção oposta.
“A gente se cruza por aí, Lux”, diz Ezreal. Ele começa a correr atrás de Miss Fortune.
Não consigo evitar e grito: “Você nunca me contou qual era a sua luz favorita!”
Ele para, tira o cabelo dos olhos e faz uma conchinha com as mãos.
“A luz das estrelas”, grita ele de volta. Mesmo de longe, consigo ver claramente seu sorriso torto. Ele se vira e alcança Miss Fortune.
“Hã?”, murmura Jinx, pensativa. “Jurava que ele ia dizer arco-íris duplo”.
É a minha vez de revirar os olhos. Dou um soquinho de leve em seu braço.
“Vamos lá, vamos achar aqueles biscoitos.”
CAPÍTULO 5
Histórias de Fantasma
Já é quase noite quando Jinx e eu voltamos para o acampamento. Pelo jeito que Poppy está lidando com um amontoado de lenha para a fogueira, ela não está muito contente. Jinx dá uma mordida ruidosa em outro biscoito, anunciando a nossa chegada.
“Já não era sem tempo”, reclama Poppy. Ela recolhe mais um pedaço de madeira para cortar.
“Aah, aí estão vocês!” Lulu se levanta dos troncos em que estava sentada e corre para me abraçar. Ao menos alguém ficou feliz em nos ver.
“Não se preocupe, Bam Bam”, Jinx joga a sacola de laranjas na nossa mesa de piquenique. “Eu trouxe laranjas e biscoitos”. Jinx abre a sacola de novo e pega o último biscoito que havia sobrado. “Quero dizer, trouxe laranjas e um biscoito”.
Jinx o parte em dois, dando metade para Lulu e pegando a outra para si.
“Tá aí, pimpolha, pra você não dizer que eu não divido as coisas”, disse ela.
Lulu olha para Jinx e sorri. Enquanto isso, Poppy dá um grunhido.
“Tá bem”, acrescenta Jinx, “mas só porque você é mais louca do que eu”. Ela dá a Lulu a outra metade. “E porque não quero que a Poppy coma biscoito”, sussurra alto. “Ei, não era pra gente juntar umas coisas e tacar fogo?”
“Você quer dizer fazer uma fogueira?”, pergunto.
“Isso, esse negócio mesmo”. Jinx abre sua sacola de pano da Estrelas & Munição. Ouço o gritinho de Kuro e o distinto estalar de um gatilho.
“Na-ni-na-não”, digo, balançando a cabeça. “Nada de poderes”.
“Estraga-prazeres”. Jinx revira os olhos e Poppy ri entre uma machadada e outra.
Janna agacha-se perto do círculo da fogueira com um fósforo aceso e um punhado de agulhas de pinheiro secas. Em poucos segundos, as agulhas pegam fogo. Uma fina fumaça começa a subir e Janna sopra gentilmente, mexendo o centro com um graveto maior para acender mais o fogo. Ela arma um cone de madeira sobre a chama no centro do círculo e sorri satisfeita para Jinx.
“E isso não é trapacear?” Com um suspiro melodramático, Jinx larga a sacola de biscoitos vazia na mesa e começa a procurar em volta por um graveto. “Ok, tanto faz. Trouxemos marshmallows?”
Poppy coloca a lenha cuidadosamente cortada em uma pilha perto de Janna. “Não foi só marshmallows o que você trouxe?”
“Aaaah, verdade!”, lembra Jinx em voz alta. Ela pega de volta sua sacola de pano e tira de dentro um saco de marshmallows, enfiando quatro em um graveto longo e fino. “Eu também trouxe uma toalha, Nanica. Sou responsável”.
Sento-me em um tronco perto de Janna. Ela parece ter melhorado os ânimos.
“Tudo bem com você?”, pergunto. Ela faz que sim com a cabeça.
“Acho que só precisava de um ar fresco”.
Gesticulo em direção às árvores à nossa volta e sorrio. “Bom, acho que viemos ao lugar certo”.
Janna acena a cabeça, concordando, mas sem o mesmo entusiasmo que eu. Antes que eu possa fazer mais perguntas, Lulu limpa os farelos de biscoito das mãos e senta-se ao lado de Janna.
“Conte uma história pra gente, Janna”, diz ela.
“Realmente não sei de nenhuma história, Lulu”.
“E que tal uma história de fantasma?”, sugere Jinx. “Você é velha, Provavelmente conhece alguns fantasmas, não?”
Janna levanta uma sobrancelha lilás para Jinx.
“Por favor?”, implora Lulu.
Janna respira fundo. Parece que ninguém está conseguindo recusar os pedidos de Lulu hoje.
“Ok, ok”, começa Janna. “Era uma vez uma luz solitária que se voltou contra à escuridão”.
“Era a Primeira Estrela?”, pergunta Lulu.
Janna concorda com a cabeça.
“Sim. No início, a Primeira Estrela estava totalmente sozinha. Depois de um tempo, ela cansou de ser solitária, então pegou toda a sua luz e a espalhou pela noite”. Janna abanou a mão em um arco, indicando o vasto manto de estrelas sobre nossas cabeças.
“E foi daí que viemos”, diz Lulu, orgulhosa.
“Você. Eu. Os animais e as árvores. Até a Jinx”, acrescenta Janna com um sorriso. “Todo mundo leva em si um pouco daquela luz. É um elemento muito poderoso e a Primeira Estrela sabia que deveria protegê-lo da escuridão. Dizem que as primeiras Guardiãs Estelares a serem escolhidas eram muito fortes e cheias de luz”. O tom da voz de Janna baixa levemente. “Mas aquelas que brilham forte demais também queimam rápido demais”.
“Mas não é para isso que estamos aqui?”, acrescenta Poppy, confusa. “É nosso dever proteger toda a luz da Primeira Estrela”.
“Sim”, concorda Janna. Ela olha para mim. “Mas é mais do que um dever: é o nosso destino. E é nosso destino fazê-lo juntas. A Primeira Estrela sabia o quão difícil seria carregar tanta responsabilidade e fazer tudo sozinha”.
“Nunca ninguém se rebelou contra o fluxo? Tipo, ninguém nunca decidiu ir contra esse negócio de destino?” Jinx cutuca um pedaço de lenha da fogueira com o graveto de marshmallows, deslocando algumas brasas. Fico surpresa, achei que Jinx estivesse inteiramente ocupada em queimar açúcar.
“Certa vez, houve uma Guardiã Estelar que decidiu que estava cansada do ciclo. Ela não queria voltar a ser luz estelar, só queria ser quem ela era”.
“Estou ouvindo”, diz Jinx, virando-se para Janna.
“Dizem que ela chegou primeiro em um sistema repleto de escuridão”, continua Janna.
“E ela encontrou irmãs, que nem a gente?”, pergunta Lulu.
“Sim, isso mesmo”, diz Janna. “E por causa da densa escuridão da sua região da galáxia, elas significavam tudo para ela. Por um bom tempo, elas foram felizes. E ela estava feliz com suas amigas. Um dia, de repente, um dia houve uma batalha. Um grande mal tomou conta da região, um mal súbito e terrível. Ela perdeu suas irmãs na luta e ficou muito, muito triste”.
“Eu também ficaria triste”, murmurou Lulu.
“Eu também, Lulu”, respondeu Janna, abraçando-a. “Mas contam que, em vez de ficar triste, ela ficou brava e se rebelou contra a luz da Primeira Estrela. Dizem que ela foi atrás das origens do mal, na esperança de desfazer seu destino”.
Lulu estremece e chega mais perto de Janna.
“E ela ainda está viva?”, indaga Poppy.
“Não sei”. Janna reflete por um momento. “Se estiver, sua luz já seria bem antiga a esta altura”.
“Mais do que a sua, Janna?”, zomba Jinx.
“Sim”, responde Janna, zombando de volta. “Mais antiga do que a minha”.
Lulu boceja. “Essa história é de verdade?”, pergunta ela.
“Não tenho mais certeza, Lulu”, responde Janna em voz baixa.
Está tudo quieto. Só o que ouço é o crepitar da fogueira enquanto a noite desce sobre nós. Decido quebrar o silêncio.
“Bem, a chuva de meteoros começa em cerca de quatro horas. Talvez devêssemos dormir antes de ir vê-la”, sugiro.
Janna ajuda a sonolenta Lulu a se levantar e a conduz lentamente até uma das duas barracas. Eu a sigo. Poppy me para e aponta para a outra barraca antes de ir atrás de Janna.
“Você fica com a Jinx”, diz Poppy em voz baixa. “Ela ronca. Boa sorte”.
“Eu ouvi isso, Pirralha”, diz Jinx, enfiando mais marshmallows na boca.
“Não se preocupe”, diz Janna, enquanto leva Lulu até a barraca. “Eu cuido dela”.
Sorrio e pego um balde d’água para apagar a fogueira. Olho para cima e vejo um céu que abriga mais estrelas do que eu jamais conseguiria contar. São tantas.Talvez sejam mais Guardiãs Estelares, iguais a nós. Seria legal não se sentir tão isolada. Sacudo a cabeça, tentando me livrar de tal esperança, e jogo a água no fogo. Ela chia e evapora à medida que afoga as brasas, deixando-me sozinha na escuridão.
Entro na barraca escura. Jinx já está roncando alto e posso ouvir Poppy estalando os lábios na barraca ao lado. Não é exatamente a definição de paz e silêncio, mas estamos juntas. No teto da barraca, há quatro buracos pelos quais consigo ver o céu. Tento contar as estrelas além do nosso mundo.
Mal chego a dez antes de ser engolida pelo sono.
CAPÍTULO 6
O Sonho Retorna
A escuridão é a mesma, mas desta vez o sonho é terrivelmente diferente.
Em vez de estar só eu no fundo do poço solitário, estamos todas lá. Lulu, Janna, Jinx e Poppy, todas perdidas na escuridão. Sua serenidade deu lugar ao pânico. Suas vozes abafadas se sobrepõem, implorando que eu as tire dali.
Acima de nós, bem ao longe, vejo um punhado de estrelas. Seu brilho trêmulo quase se apaga. Elas também me chamam, mas não consigo alcançá-las; não consigo nem me mexer. Começam a chover cinzas brilhantes, que cintilam quando atravessam meus dedos. Reconheço o que são antes que as luzes bruxuleantes sumam completamente.
Emblemas de Guardiãs Estelares. Quebrados e despedaçados.
Um peso invisível me golpeia com força no peito; fico sem fôlego e começo a cair ainda mais. A luz estelar acima fica ainda mais fraca, afastando-se de mim. O peso salta para cima e para baixo, sacudindo-me, mas meus braços e pernas são pesos mortos. Estou presa, congelada na escuridão.
O peso para de saltar. Eu continuo afundando.
“Não adianta”. Poppy soa irritada e resignada ao mesmo tempo. Ela parece estar mais perto, mas ainda não consigo alcançá-la.
“Pera, Deixa eu te mostrar como se faz, Toquinha”.
Ouço um som de metal raspando e um sacudir de líquidos. Respiro o mais fundo que posso enquanto sinto uma água fria sendo jogada em mim. Estou me afogando. Estou literalmente me afogando desta vez. Eu tusso e abro meus olhos. Foi só um sonho… Ou quase. O peso no meu peito tem um distinto formato de Poppy.
Jinx está de pé sobre nós duas segurando um cantil vazio. “Olhem, nossa destemida líder acordou”.
“Isso foi realmente necessário, gente?” Seco os olhos e tento absorver a água do meu saco de dormir com uma camiseta extra.
“A Lulu desapareceu”, diz Poppy rapidamente.
Me levanto e vou para fora da barraca enquanto ainda coloco meus sapatos. Abro a barraca de Lulu e vejo seu saco de dormir vazio. O de Janna também.
“Janna não levou nem a bengala que eu fiz pra ela”, acrescenta Jinx, com traços de sincera preocupação na voz. “E se a velha cair e não conseguir levantar?”
Isto é pior do que o sonho.
“Não poderíamos ir atrás delas sem você”, diz Poppy insistentemente. “Você disse que é nosso dever ficarmos juntas”.
“Eu só queria jogar um cantil d’água em você e ver o que acontecia mesmo”, diz Jinx. Seu tom de voz diz que ela não se importa, mas seu rosto discorda.
“Podemos ir agora?”, diz Poppy puxando meu braço.
Sobre o travesseiro de Janna está o desenho que Lulu fez de todas nós na campina. Estamos olhando para o céu. Novas estrelas, foi o que disse Lulu. Sinto um peso no peito ao analisar o desenho mais de perto. Os vaga-lumes. As coisas pretas e verdes à nossa volta. Tenho um pressentimento muito, muito ruim.
Olho para Poppy e Jinx. Não consigo lembrar da última vez em que seus rostos dividiram a mesma expressão. Sua preocupação é evidente, assim como o fato de que só lanternas não bastarão esta noite.
“Poppy, pegue seu martelo. Jinx, acorde Shiro e Kuro”, ordeno. “É hora de trazer o armamento pesado.”
CAPÍTULO 7
A Queda das Estrelas
A luz do meu cetro é infinitamente melhor do que a de uma lanterna, mas não ajuda a acalmar meu coração acelerado. Paro de correr para analisar melhor o mapa do acampamento que trago amassado em uma mão. Infelizmente, Lulu deve ter achado algum caminho fora da rota, pois faz tempo que saímos das fronteiras do acampamento.
“Tem uma clareira aqui”, digo. “Um deslizamento de pedras a bloqueou para o resto do acampamento”.
“Parece um bom lugar para receber novas estrelas”, diz Jinx ofegante, mais do que um pouco cansada pela altura cada vez mais elevada. “Malditos biscoitos”.
Poppy agarra firme seu martelo. “Vamos”.
A distância entre as árvores aumenta e elas finalmente se abrem em uma grande campina. Respiro fundo. Jinx dá um assovio baixinho.
É uma bela paisagem.
Um nevoeiro baixo havia se assentado na área como uma manta nebulosa. Flores noturnas se espalham sobre minúsculas flores silvestres. Arcos de pequenas flores azuis espiam por sobre a neblina. Pedras brancas de granito refletem a luz do luar e pintam a campina escura como um campo de estrelas rochoso. Lá em cima, a chuva de meteoros já começou.
No centro de tudo, em uma toalha de piquenique xadrez, está sentada nossa pequena Lulu dos cabelos verdes. Ela trouxe até as laranjas.
“Ah, ela está aqui, graças à Primeira Estrela!” Uma leve brisa dispersa parte do nevoeiro quando Janna sai de trás de um pinheiro alto ao nosso lado. Ela deve ter vindo do acampamento na direção oposta. Até ela está um pouco sem ar.
“Lux!” Lulu levanta pulando. Imediatamente, começo a correr até ela, e corro tanto que o chão treme. Não, espere… Eu paro de correr, mas o chão continua tremendo. Um brilho preto-esverdeado começa a emanar como veias cadavéricas sob o nevoeiro. Sinto uma vibração no mesmo ritmo do brilho pulsante.
“Lulu.” Mal consigo ouvir minha voz sobre o profundo rugido do rochedo que se move sob nossos pés.
“Não estamos sozinhas. Novas estrelas estão chegando, Lux”. A inocência nos olhos de Lulu desapareceu. Ela toma minha mão. “Eu as vi nos meus sonhos”.
Embora ela esteja ao meu lado, sua voz soa longínqua, como se ela ainda estivesse presa naquele sonho.
Jinx, Poppy e Janna andam em círculo pelas bordas da campina. A terra se agita sob meus pés.
“Afastem-se!”, grito para elas.
Mas o aviso chega tarde demais. As fendas se abrem em profundas fissuras, o nevoeiro se rompe e um enxame de insetos pretos do tamanho de cachorros saem rastejando da abertura, pingando uma estranha luz verde.
Com o cetro em mãos, reflito um raio de Luz Estelar na criatura mais próxima. A luz atinge a criatura logo abaixo de sua carapaça alada, ao que ela explode em uma erupção nojenta de meleca verde brilhante.
“Pela Luz Estelar”, eu sussurro. “Eles têm asas”.
Grito para as outras: “Eles têm asas! Não podemos deixar que cheguem ao acampamento!”
“Uuu-huu”, Ouço os apupos de Jinx do outro lado do combate. “Shiro, Kuro, quem aqui está se sentindo feroz?!” Antes mesmo de ela terminar a frase, mísseis começam a voar pelos ares. “Anda, Anãzinha, é hora de esmagar uns insetos”.
“Não precisa dizer duas vezes, Bafo de Foguete”, grita Poppy de volta.
Vejo Janna levitar a alguns metros do chão. “Segure firme, Lulu”. Sinto seus dedinhos apertarem os meus. A voz de Janna ecoa pelo campo.
“Pela tranquilidade!” Uma rajada de vento sopra a névoa da campina. Várias criaturas são erguidas e sacudidas pelos redemoinhos, chocando-se contra pesados troncos de árvore. Agora que a névoa se foi, vejo que há bem mais insetos nojentos do que eu pensava. Este não é um ataque como os outros; estamos definitivamente em apuros.
“Vejam, as novas estrelas!”, grita Lulu.
Cinco luzes cortam o céu, vindo direto em nossa direção. Sigo seu arco com os olhos enquanto elas descem. As luzes se separam e pousam na campina, formando um perfeito pentágono. Várias criaturas explodem com o impacto.
Quando a poeira e a meleca baixam, quase tenho que recolher meu queixo do chão.
É Ahri e sua comitiva. Miss Fortune, Syndra, Ezreal – até a garota quieta com cabelos cor de menta.
“Você é uma Guardiã Estelar?”, grito. “Vocês todos são Guardiões Estelares?” Mas ninguém pode me ouvir em meio aos barulhos do combate. Além de estarem todos prestando atenção em Ahri.
“Hora de brilhar, garotas”, diz ela. Ela iluminava o campo só com seu sorriso. “Você também, Ezreal”.
Eles se movem como uma unidade eficiente e sincronizada. Miss Fortune levanta uma reluzente pistola branca e dispara o primeiro tiro, que atravessa duas criaturas de uma vez só. É a primeira vez que a vejo sorrir, e agradeço às estrelas por não ser o alvo atual de sua atenção. Ahri e Ezreal são borrões de luz enquanto entram e saem da luta. As criaturas definitivamente não são tão rápidas quanto eles. Ahri ri e manda um beijinho para um dos monstros maiores, que, ainda mais estúpido do que antes, começa a andar lentamente em direção a ela e os orbes com que ela brinca. Subitamente, ela para de rir e lança o orbe na criatura, destruindo-a em uma explosão de líquido negro viscoso.
Syndra se mantém atrás, mas só por um instante, então entra no combate com três de seus próprios orbes. Os sorrisos maníacos nas esferas eram de assustar até Kuro e Shiro. No centro de tudo, a garota de cabelos verde-água ergue um longo cetro no ar, canalizando a Luz Estelar lá de cima. Observando-a, sinto meu coração desacelerar e minha respiração se acalmar. O orbe de Ahri atinge a última criatura sem dificuldade alguma, explodindo-a em uma chuva de exoesqueleto e líquido negro bioluminescente. A nova equipe acabou com os insetos tão rápido quanto chegou.
Ahri esfrega as pontas dos dedos enquanto recolhe os orbes, obviamente com nojo dos resíduos das criaturas. Syndra brinca com seus companheiros roxos enquanto sua casual arrogância a ergue sobre a bagunça toda.
“E foi só uma noite de trabalho, né, Soraka?”, diz Ezreal com uma piscadela à garota quieta. “Obrigado pela tapinha energético”.
Soraka mantém um sorriso sereno enquanto concorda entusiasticamente com Ez.
Obviamente satisfeito com a ação toda, Ez sorri na minha direção enquanto seu companheirinho alado se recolhe em sua luva. Miss Fortune sopra um rastro de fumaça de suas pistolas duplas e ignora ambos.
Mas o momento de paz chega ao fim quando o chão começa a tremer de novo. Antes que eu possa contar até dois, a terra se abre, me derrubando. Bato minha cabeça contra um tronco.
“Ai”. Tento sacudir o zunido metálico que se alojou nos meus ouvidos. Paro de mexer quando percebo que a campina em si está instável, como se a trama do espaço-tempo estivesse sendo distorcida diante dos meus olhos. O brilho verde voltou, e bem mais forte do que antes.
“Lulu! Jinx!” Procuro pelas garotas, mas só o que vejo é a imponente carapaça do que parece ser um inseto do espaço do tamanho de dois elefantes, subindo da maior fenda do chão.
Sinto o solo tremer em ondas e, de repente, vejo um raio de luz à minha frente. Alguém estende uma luva branca e pega minha mão enquanto o chão sob meus pés começa a ceder.
É o Ez.
“Eu disse que ainda íamos nos cruzar”. Sua voz é quase inaudível em meio ao caos. “Aquela nojeira interdimensional não vai se explodir sozinha”. O mundo está literalmente acabando e ele continua sorrindo. “Está pronta, Luz Estelar?”
Eu concordo com a cabeça. Mais pronta do que nunca. Ele me ergue, lançando-me no céu por cima do monstro. Deste ponto, consigo ver todo mundo.
Janna e Soraka impedem uma nova leva de insetinhos que rastejam das fendas menores. Ahri, Miss Fortune e Syndra também começam a golpeá-los enquanto buscam uma posição para atacar a criatura maior. Eu pouso perto de Lulu, que está evitando as muitas pernas do monstro enquanto Pix dispara raios nas criaturas menores. Jinx e Poppy parecem estar discutindo nas margens da campina. Mal posso ouvi-las de cima do combate.
“Você quer que eu faça o quê?”, grita Jinx.
“O Foguete. Me lance no Foguete!”, responde Poppy aos berros.
“Poppy!” Jinx abre a boca em choque. Em seguida, um sorriso floresce lentamente em seu rosto. Ela se abaixa e abraça com empolgação a menininha do cabelo azul. “Achei que você nunca pediria”.
Um segundo depois, vejo Poppy em cima de um míssil voando em direção à mandíbula gotejante da criatura, seu fiel martelo em mãos. O martelo se conecta com um estrondo alto. A criatura dá um passo para trás. Sua hora chegou. Levanto o meu cetro e canalizo a Luz Estelar. Os afiados incisivos da criatura mordem ferozmente o ar. Ao ver Lulu aos seus pés, ela abre a enorme mandíbula.
Meu raio de luz entra direto em sua boca e a atravessa pela parte de trás da cabeça. Um jato de líquido tóxico encharca o campo. A criatura grita e começa a desabar.
Após se debater com suas inúmeras pernas, a criatura as recolhe em seus movimentos finais. Bem onde Lulu está. Olho em volta, mas não tem ninguém mais perto. Saio em disparada e tiro Lulu do caminho. Um segundo depois, uma chuva de pedaços negros de monstro cai sobre mim.
De repente, tudo fica escuro.
EPÍLOGO
A Luz Ressurge
A primeira coisa que ouço é um pedaço de lona sacudindo suavemente ao vento – e passarinhos cantando. Meus dedos jazem sobre um lençol fino. Abro os olhos. Os raios de sol golpeiam minhas pupilas pelos quatro pequenos buracos no teto. Estou na minha barraca.
“Ugh… O que…” As palavras ficam presas na minha boca seca. Tento me sentar direito, mas mudo de ideia quando o teto começa a girar. “Eu estou…?”
“Não morta”, responde uma voz super descolada.
O tecido ao pé do meu saco de dormir se mexe enquanto alguém ajusta sua posição. Ainda tonta, tento identificar algo ou alguém. Ahri coloca uma mecha do seu perfeito cabelo cor de pêssego atrás da orelha.
“Você sofreu uma queda e tanto ontem à noite”, diz ela.
Comecei a lembrar dos eventos como um filme terrivelmente desconectado. Correndo pelo bosque. O campo. As criaturas. Lulu. Depois, tudo caindo à minha volta. Não foi só um pesadelo.
Sento-me rápido, me arrependendo totalmente do movimento quando meu cérebro também se levanta e bate dentro do meu crânio.
“Lulu? E ela?” Contorço um pouco o rosto de dor. Esfrego minha testa e tento me livrar da dor de cabeça.
“Estão todas bem, mandei elas irem buscar o café da manhã”, diz ela. “Me disseram que tem um martelo com meu nome se eu não contar para a baixinha de cabelo azul quando você acordar”.
Ahri pega o cantil do seu lado e me dá.
Observo-a enquanto tomo um gole de água fria. Assim de perto, posso ver que temos mais ou menos a mesma idade, mas tem algo a mais nela. Mais experiência. Mais confiança. Ela já viu muito mais do que o universo pode lançar contra a gente. Ela é a líder que deveríamos ter tido. Eu sei disso.
“Queria dizer que você fez a escolha certa”, diz ela. “Se arriscando e intervindo daquele jeito”.
“Não foi nada”, eu digo, dispensando o elogio. “Qualquer uma teria feito o mesmo. É o que fazem as Guardiãs Estelares. Somos irmãs”.
Ela ri suavemente, mas de repente um semblante sombrio toma conta de seu rosto. Um segundo depois, a máscara de perfeição já voltou ao seu lugar.
“Não somos irmãs”, murmura ela, sua voz marcada pelo arrependimento. “Somos só estranhas com algumas lembranças”.
Ela se levanta.
“Bloqueamos o ponto de incursão. Minha equipe vai voltar à cidade esta manhã, vamos cuidar de tudo que acontecer a partir de agora. Você e suas amigas podem ficar aqui até se recuperarem. Aproveitem o sol de verão. Depois disso, fiquem fora do caminho”.
“Espere aí, você não vai ser nossa líder?”, pergunto, confusa. Minha cabeça está latejando. “Tipo, de todas nós juntas? Com um grupo duas vezes maior, somos duas vezes mais fortes. Trabalhamos muito bem juntas ontem à noite”.
“Você quase se matou ontem à noite”, diz ela.
Não estou mais ouvindo. “Juntas, não há nada que não possamos enfrentar”.
“Não, Lux”, diz ela, encerrando a conversa. “Juntas, temos muito a perder”.
Mais uma vez, simplesmente dispensada. Ahri se vira para sair.
“Guardiãs Estelares são uma equipe”, eu digo. Engulo o aperto na minha garganta. Não vou implorar, mas posso tentar fazê-la ver a razão. “É o nosso destino”.
Ahri pausa e me observa atentamente. A entrada da barraca está aberta e o sol brilhante divide seu rosto em luz e sombra. “Destino?”, diz ela, com leve amargura na voz. “Que palavra mais horrível.”
A entrada da barraca se fecha depois dela. Sinto meu rosto corando de frustração. Ela é uma líder Guardiã Estelar, Por que não quer nos liderar? Por que está me deixando sozinha? Olho para o teto da barraca, para os quatro buracos de luz dançando acima da minha cabeça.
Sozinha, não. Jinx, Poppy, Lulu e Janna estão comigo. Elas precisam de alguém. Não posso simplesmente desistir se eu sou tudo que elas têm.
Lentamente, me levanto e saio aos tropeções até a luz lá fora. Não tenho tempo de esperar que o mundo pare de girar.
Jinx tem razão.
O verão não vai durar para sempre.