Coringa | Crítica

Foto: Reprodução/Warner
Foto: Reprodução/Warner

Análise sobre o filme “Coringa”, da Warner Bros. Pictures (convite da Warner Bros. Pictures Brasil), aqui no site Cebola Verde. Confira a ficha técnica da trama cinematográfica:

Nome: Coringa (Joker)

Estreia: 03 de outubro de 2019 (Brasil) – 2h 02min

Direção: Todd Phillips

Elenco: Joaquin Phoenix, Robert De Niro, Zazie Beetz, Frances Conroy, Brett Cullen, Shea Whigham, Bill Camp, Douglas Hodge

Gênero: Drama

Distribuidora: Warner Bros. Pictures


Coringa” é o mais novo filme da DC, que se propõe a contar uma história de origem de um dos vilões mais icônicos da cultura pop. Envolto de expectativas e polêmicas, esse filme é um dos mais aguardados do ano, mas definitivamente não é para o público de blockbusters.

O filme se propõe a fugir do tradicional, do que seria esse novo gênero cinematográfico “filmes de super-heróis”, e como um filme atípico, merece uma análise além das qualidades técnicas, mas também abordando o contexto no qual o longa foi feito.

Todd Phillips não economiza nas referências cinematográficas. Mistura um pouco de “Laranja Mecânica” (1971), com “Uma Noite de Crime” (2013) e até mesmo “V de Vingança” (2005). Mas suas principais referências são “Taxi Driver” (1976) e “O Rei da Comédia” (1982), ambos do aclamado diretor Martin Scorsese. A fotografia do filme é linda, eu amo como as cores quentes saltam aos olhos no meio da frieza da cidade, algo que torna a caracterização final do personagem ainda mais bonita visualmente. Toda a ambientação do filme é excepcional, todos os atores estão muito bem escalados — destaque para a Frances Conroy, que interpreta Penny Fleck, a mãe do protagonista. A trilha sonora também é muito bem utilizada; em certo momento do filme, eu me peguei pensando: “É claro que iria tocar essa música!”

Na verdade, “Coringa” foi feito para Joaquin Phoenix nos agraciar com sua atuação genial. O distúrbio que leva Arthur a ter risadas involuntárias nos incomodam fisicamente como espectadores. Joaquin dá um show à parte nesses momentos. Entretanto, as doenças mentais aparecem no filme da maneira bem expositiva, imagino como o filme poderia crescer muito mais se fosse mais sutil em diversos momentos. A falta de sutileza nos faz prever uma boa parte do filme, mas o diretor faz bem em nos despistar por alguns momentos e consegue entregar bons plots twists dentro da previsibilidade da trama.

Talvez um pouco mais de comédia realçasse o personagem como o palhaço comediante que ele se propõe a ser e também desse uma dinâmica mais interessante para o segundo ato, que em alguns momentos, se arrasta um pouco e pode incomodar um espectador mais acostumado com ritmos mais dinâmicos.

Como os atuais filmes dessa nova iniciativa da DC/Warner, esse filme parece não se conectar aos demais, o que beneficia a narrativa de não precisa parar para fazer conexões com o resto do universo.

Uma decisão muito acertada do diretor Todd Phillips foi situar esse filme nos anos 80, que além da estética que casa perfeitamente com o tom do filme, evita também conexões maiores com o universo e perguntas incômodas como “onde estava o Batman enquanto isso tudo acontecia?”, bem, ele era uma criança. Porém, ao mesmo tempo, pesa um pouco no coração do fã que não vai ver essa versão do personagem tendo um embate com o morcego ou se juntando a outros vilões do universo DC.

Embora o diretor tenha dito que essa seria uma história totalmente original do personagem, ele bebeu, e muito, em diversas fontes já consagradas dos quadrinhos, e até mesmo de aparições passadas do personagem no cinema e na TV. Por exemplo, em alguns momentos, revisa o cânone do universo para tornar a narrativa mais empolgante para quem já conhece essas histórias de cor, principalmente no que se diz respeito à família Wayne.

Com um clima mais existencialista, o filme até flerta um pouco com filosofia, mas como fã, senti um pouco de falta de desenvolvimento na principal teoria do vilão: Um dia ruim pode transformar qualquer homem são em louco.

Desde sua criação em 1940, o vilão ganhou diferentes representações, muitas delas não condiziam entre si e nem mesmo com a versão original ou as aparições mais clássicas do personagem. E tudo bem, décadas se passaram e uma atualização do personagem não somente foi necessária devido aos diversos contextos, mídias e até mesmo facetas do personagem que se desejava trabalhar mas, também, parece fazer parte da essência do personagem que suas retratações sejam controversas e até mesmo contraditórias.

Dizer que este não é o Coringa definitivo não é um demérito para o longa, mas confesso que pela maior parte do filme, eu não conseguia ver o Coringa naquele homem mentalmente instável. Basicamente, foi como se o filme pudesse ser sobre um comediante que um dia surtou, e não necessariamente sobre o Coringa. Entretanto, no terceiro ato, o roteiro parece se apressar para tornar Arthur Fleck no icônico vilão e, para isso, também utiliza de transformar o personagem em um símbolo, um avatar da situação sociopolítica dos habitantes de Gotham. E talvez esse seja um dos pontos mais controversos do filme, tal conceito de Coringa como uma ideia que transcende o corpo físico de um homem. Já é um velho conhecido dos amantes do personagem, mas aqui as pessoas parecem aderir rápido demais, quase que sem nenhuma justificativa plausível para apoiarem as ações do vilão, quase como “desvilanizando” o personagem.

A narrativa é manipulada de forma que a loucura do Coringa, seja não apenas justificável como quase perdoável. O filme não pretende glamorizar a violência, ou mostrar violência só por entretenimento. As cenas violentas são tensas, são incômodas.

Como vi em comentários pela internet, não faz muito tempo que um jovem que se sentia socialmente isolado se vestiu como o Coringa e atirou em dezenas de pessoas dentro de um cinema nos Estados Unidos. Talvez esse não seja o melhor momento para um filme que retrata um homem branco que se torna um assassino em série por falhas do sistema, instabilidade mental e isolamento social.

Um dos fatores que eu admiro é como o filme conecta um movimento de luta de classes ao Thomas Wayne, o que me remete à uma discussão muito engajada recentemente sobre  como o próprio Bruce poderia fazer o bem com o seu poder aquisitivo, mas nunca foi sobre defender que não consegue se defender sozinho, sempre foi sobre punir que ele julgava merecedor.

Você já deve ter ouvido a frase “Todo vilão é o herói da sua própria história”, mas o que torna o filme problemático não é só levar isso ao pé da letra, e sim, torná-lo uma espécie de herói da história que nos está sendo contada. Então, falta, no longa, uma bússola moral, um personagem que nos mostre como essas ações não são justificáveis, como o Coringa, nos leva a crer ou mesmo uma dinâmica de crime e castigo, de punição pelos atos do protagonista. Até mesmo essa ideia de transformar o Coringa em um representante da loucura de Gotham parece não funcionar na sua totalidade quando nem mesmo o personagem parece compartilhar os ideais daqueles que o seguem; o que desvaloriza um pouco o subtexto político da cidade que se mostra como peça fundamental para o encerramento da narrativa. Parece que talvez fosse mais prudente retratar o personagem como agente do caos, que age de forma imprevisível, caos pelo caos. Afinal, Gotham City está em chamas, e algumas pessoas só querem ver o circo pegar fogo.